19 DE AGOSTO DE 1993 3219
O Sr Presidente: - Sr. Deputados, o Sr. Deputado Nogueira de Brito usou de tempo concedido pelo Partido Social Democrata e de alguma tolerância da Mesa.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com o Parlamento fechado e a grande maioria dos Deputados a banhos, entendeu o PSD, caprichosamente, irromper por entre as férias de cada um e fazer convocar uma sessão extraordinária da Assembleia da República para hoje.
Dir-se-ía, pois - e essa foi a ideia que se pretendeu transmitir ao País -, que algo de grave ocorrera e que os interesses vitais dos portugueses estariam ameaçados e era preciso correr a preservá-los.
Afinal, o que de tão vital Unha de ser defendido e decidido?
Acaso se tratava de decidir algum plano excepcional para suster, finalmente, a degradação ecológica do país?
Acaso havia algum plano de emergência para defender as empresas do colapso e travar o desemprego?
Acaso algum plano de salvação tinha sido encontrado para conter a revolta dos agricultores em fúria ou para melhorar o nosso bem-estar colectivo? Estas, porventura, as interrogações de outros mais distraídos.
O espanto foi total. Nada disso estava em jogo!
Tratou-se - e tão só -, de, reagindo violentamente ao veto presidencial, fazer voltar com urgência à Assembleia da República, agora sob a forma de proposta de lei, para aprovar em tempo record, o novo regime de direito de asilo.
Não se questiona, obviamente, a importância desta matéria. Tão pouco se duvida que a sua delicadeza justifique, plenamente, um debate exclusivo em Plenário, aliás há bem pouco recusado pelo PSD, como os «Verdes» e a oposição tiveram a oportunidade de contestar na altura.
A perplexidade reside tão só no facto de querer atribuir-se tão excepcional importância a este projecto, neste momento preciso.
Com efeito, não deixa de ser surpreendente que, com o conjunto de grandes problemas que atrapalham a vida dos portugueses, seja precisamente esta a questão a que o PSD dá tanta relevância e quer ver discutida.
Acaso alguma perigosa e clandestina invasão ocorreu nas últimas semanas sem que os portugueses o tivessem sabido?!... Não consta!
Ou pretender-se-á, subtilmente, arranjar bode expiatório e insinuar que a premente revisão da lei dê asilo é fundamental para os cidadãos portugueses, cujo bem-estar estaria a ser ameaçado com a presença de estrangeiros em Portugal?
Acaso pretende sugerir-se que os refugiados estão a usurpar o nosso espaço, a respirar o nosso ar, a roubar hipotéticos empregos e casas?
Acaso estarão a absorver somas gastronómicas da despesa pública que a outros pertenceriam?
Ou pretender-se-à insinuar até que a Santa Casa da Misericórdia está à beira da falência por apoiar exilados? Decerto que não. Bem mais depressa o estará, certamente, pelo piedoso fausto de quem a dirige agora.
Mas se estes são os argumentos perversos de quem encara a situação dos refugiados e a concessão de asilo numa visão cínica e economicista, estimulando, subrepticiamente, sentimentos racistas e xenófobos que se diz rejeitar, outra tem de ser para nós, Os Verdes, a óptica desta discussão.
A concessão de asilo não pode pautar-se por valores meramente utilitários nem ser decidida, arbitrariamente, por burocratas e déspotas de ocasião.
O direito ao asilo é um direito universal, constitucionalmente consagrado, e não pode ser alienado. É o direito de recorrer à protecção quando perseguido por convicções políticas, religiosas ou étnicas dentro do seu próprio país e, como tal, não pode ser amputado. Ele corresponde ao próprio direito à liberdade, não raro à própria vida. Espartilhá-lo ou recusá-lo, arbitrariamente, é aceitar do próprio direito à vida uma visão parcelar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, poderá Portugal e a Europa, hipocritamente, fechar-se como fortaleza aos outros Povos que durante anos explorou, como o tem feito e como o espírito de Schengen claramente traduz, mas não pode eternizar essa atitude senão através da amputação de direitos fundamentais inalienáveis e através do autontarismo.
Com um planeta marcado por abismos regionais imensos, em que 85 % do total do rendimento mundial é detido por uma escassa minoria de 20 % da população mundial, em que, só em África, 30 milhões de seres humanos morrem de fome por ano, em que a desertificação atinge 6 milhões de hectares/ano e a população cresce a um ritmo assustador, mas onde, simultaneamente, a comunidade internacional se recusa a gastar o correspondente a dois dias de despesas militares no combate à desertificação ou dez horas de gastos militares para implementar planos de contracepção, erguer novos muros entre os povos é adiar conflitos, não construir soluções, não é prevenir
Serão, seguramente, muitos os refugiados económicos e ambientais aqueles que, à porta de outros países e da Europa, também recorrem, mas, mesmo para esses, a comunidade internacional e a própria Europa têm responsabilidades, assumidas na Conferência do Rio, mas não cumpridas.
Mas se esses são refugiados, há outros também para com os quais há responsabilidades muito directas, que têm de ser encaradas. São os imensos perseguidos políticos desta Europa, são os milhares que fogem à guerra, despojados de tudo e de todos, num planeta que viu, nos últimos anos, multiplicar os conflitos regionais armados e os conflitos étnicos.
Há que apoiá-los, e essa solidariedade não se quantifica abstractamente em metas absurdas que em fronteiras pré-estabelecidas não cabem.
Portugal terá também de fazê-lo à sua própria escala e longe do alarmismo fantasioso com que se tem pretendido rodear a questão; respeitando a Constituição da República Portuguesa, lembrando a nossa história recente e mantendo-se fiel a uma cada vez mais difusa herança cultural e histórica com outros povos do Mundo, em particular o Brasil e os países africanos de língua portuguesa.
Este deveria ser o sentido da lei hoje em discussão. Não é assim, dado que ela é contrariada. E ao ser contrariada, claramente, a sua alteração significaria o garante da concessão de asilo por razões humanitárias, a extensão do direito de asilo a cônjuges ou a companheiros e filhos menores, a manutenção da existência da Comissão Consultiva para os Refugiados, a possibilidade de recurso da decisão tomada por parte dos mesmos, a exigência de justificação escrita das razões que levem à recusa de concessão de asilo, o garante da participação activa das Organizações Não Governamentais no acompanhamento e no apoio aos processos decisórios, o apoio jurídico, de tradução e logístico aos requerentes de asilo.
Estas são, entre outras, algumas das condições que o diploma em apreço deveria conter. Tal não acontece.