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20 DE JANEIRO DE 1994 951

tratado. De União paradoxalmente é o seu nome, e discretamente entrou em vigor.
Do seu processo ficam para trás, do nascimento à ratificação, um pouco pôr todo o lado, as marcas profundas do cepticismo, da contestação ou mesmo da recusa que lhe estão associadas, e abalaram a Europa da França à Dinamarca, do Reino Unido à Alemanha, no nosso próprio país onde (não é demais lembrar) se convergiu a dois para recusar o debate, fugir à discussão pública, negar a possibilidade de dar voz aos portugueses, aqueles a quem, como dogma, este Tratado se impôs, não como uma via, mas como a única possível para a construção da Europa.
É o Tratado da União e como factor de contestação entre os Povos se afirmou. Factor de contestação porque incapaz de fornecer respostas credíveis aos grandes problemas que hoje se colocam à Humanidade: a resolução da crise ecológica e o fim da exclusão social; factor de contestação porque incapaz de compatibilizar o primado do lucro com a preservação de valores fundamentais dos indivíduos: a liberdade, a democracia, a solidariedade, a paz; factor de contestação, ainda, porque inspirado num modelo de desenvolvimento ultrapassado porque assente em pressupostos errados de crescimento ilimitado.
Um Tratado inspirado num modelo posto em causa, que exigiria uma nova definição de valores, de parâmetros, de objectivos, numa Europa que, apesar dos compromissos solenes assumidos na Conferência do Rio, de lutar contra a crise ecológica a nível planetário e de se comprometer promover um desenvolvimento sustentado, continua assente no crescimento quantitativo, no produtivismo, no consumo, na competitividade feroz tomados valores imutáveis, e agora ainda mais exacerbados.
Um modelo que se salda por mais de 50 milhões de pobres, 20 milhões de desempregados, que é responsável por 15 % do total das emissões de CO2 num planeta quando a sua população não é mais do que 6 % desse mesmo planeta, que exporta 70 % do total de pesticidas no mundo, que delapida aceleradamente recursos não renováveis, que desertifica, que mantém, desenvolve e aprofunda a tecnologia nuclear, que militariza, que incentiva a manipulação genética.
Um modelo caduco que o Tratado agora em vigor vem perpetuar através do passo para o abismo, que o seu modelo institucional encerra.
Uma Europa que se entende, pois, como um mercado de consumidores e contribuintes, desumanizada, geradora de apartheid, pensada à revelia dos cidadãos, e contra a sua vontade imposta.
Uma Europa entendida como super potência burocratizada, centralista e asfixiante, assente no poder sem rosto dos eurocratas de Bruxelas. Que transfere poderes fundamentais para a preservação da identidade própria de cada país dos parlamentos nacionais, não para o Parlamento Europeu, mas para instâncias que nenhum voto legitimou e que imunes ao poder fiscalizador dos povos se colocam.
Uma Europa entendida como uma fortaleza que com intolerância fecha as portas a outros que condena, ela própria, à desertificação, à miséria e à fome, a Europa racista que Schengen iniciou e o Tratado institucionaliza.
Uma Europa entendida como uma super potência militar que, através do recurso à força, quer resolver diferendos e impor a preservação dos seus privilégios no Mundo, mas afinal incapaz de resolver os conflitos dentro do seu próprio Continente.
Uma Europa que vem acentuar desigualdades entre Estados membros, cada um deles com níveis de desenvolvimento muito diferenciados e aprofundar assimetrias regionais.

Uma Europa, por fim, que dita a massificação. a padronização, a uniformização culturais contra a diversidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Tratado de União entrou em vigor, mas nem o facto de o ter sido no Dia de Todos-os-Santos conseguiu operar o milagre de gerar confiança e adesão dos cidadãos europeus ao projecto que corporiza.
E no âmago dessa rejeição está, não ausência de uma qualquer «nova, cultura» que o sustente, ou, dito diferentemente, a criação de um suporte ideológico que o tente justificar, mas a ausência de objectivos justos com os quais os europeus se identifiquem, objectivos que não são seguramente os da criação de um grande mercado para benefício das nacionais, mas de um espaço harmonioso entre povos e regiões, pessoas concretas para um projecto de desenvolvimento concreto, pessoas unidas em torno de valores, não de valias, pessoas que querem ser parte activa do seu destino e que assim entendem a cidadania - não como um valor abstracto, mas como um direito e o espaço para o seu exercício, pessoas que aceitam caminhar gradualmente num processo harmonioso de integração europeia, não de assimilação.
0 Tratado de União é, pois, para nós «Os Verdes», tal como ele hoje se encontra concebido, o cavalo de Tróia de um novo poder sufocante. Um poder que impede e compromete seriamente um eco desenvolvimento e um futuro pacífico para a Europa, tal como a entendemos do Atlântico aos Urais, que cria dentro do seu espaço países com diferentes estatutos, cidadãos com diferentes cidadanias, que ergue, onde os muros caíram, novos muros e, na arquitectura institucional anti-democrática que impõe, retira aos cidadãos instrumentos de agir sobre ela.
Assim, teimar hoje agir nestes moldes é, para nós, gerar a prazo rupturas, contribuir para novos desequilíbrios, estimular patriotismos revivalistas e lançar sementes para fundamentalismos incontroláveis.
Importa sim, para nós - e é esse o nosso entendimento - agir com razoabilidade no sentido de definir novos contornos para este espaço, que respeitem o nosso futuro comum e sejam capazes de entender a Europa com olhos de futuro.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Tratado da União Europeia representa, pelo seu conteúdo e objectivos, uma profunda alteração qualitativa no processo de integração europeia. Este é um facto que, aliás, é comummente salientado. Não só na vertente económica e monetária, com a federalização em prazo curto da moeda, banco emissor e políticas monetária e financeira, mas também nas vertentes das políticas externa e de defesa e das políticas de assuntos internos, marcando uma linha de rumo que, a seu termo, conduzirá mesmo à transferência para um super Estado Europeu de um dos mais óbvios atributos da soberania, isto é, a defesa e forças armadas.
Quando um conjunto de países dão um passo com essa natureza e extensão, o que é que se esperaria que os seus promotores e defensores fizessem na data da sua entrada em vigor? Certamente esperar-se-iam cerimonias várias, entusiasmos de circunstância, discursos e tudo o resto.
A realidade é que o Tratado entrou em vigor quase envergonhadamente, com a opinião pública em estado geral de desconfiança e pessimismo, sem brilho e sem convicção. Era previsível que isso sucedesse e há pelo menos quatro factores que explicam esta situação.