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1142 I SÉRIE - NÚMERO 34

deserta pelo Sr. Secretário de Estado, deve merecer, segundo creio, uma reflexão aturada. Na verdade, constitui um precedente de grande alcance realizar as eleições sem ser num domingo ou num feriado, um precedente que, aliás, tem consequências que foram estudadas pela sociologia eleitoral de diferentes países. A justificação que poderia ser dada nesta matéria consiste no facto de haver um feriado municipal em Lisboa e outro em Vila Real no dia 13 de Junho. Tudo ponderado, creio que é pagar um preço demasiado por uma razão tão pequena.
Quereremos fazer um conjunto de alterações na especialidade. Não vemos razão para, por exemplo, ser vedada a constituição de assembleias de voto exclusivamente por estrangeiros, em vez de uma norma que garanta uma maioria de portugueses, sem prejuízo da participação de estrangeiros.
O mesmo se passa noutras matérias, como a propósito da garantia de que não haverá duplas inscrições nem duplas candidaturas. Não nos parece suficiente o que consta da proposta de lei. É necessário sobretudo, tendo inclusivamente em conta o direito comparado, pois há países que já legislaram nesta matéria, procurar encontrar melhores soluções.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, colocar-lhe-ei apenas uma pergunta, muito singela.
Antes, porém, não quero deixar de registar- e apraz-me muito tê-lo aqui como interveniente neste debate - quanto me surpreende a sua concepção das relações entre nação e cidadania. O Sr. Deputado tem uma concepção estritamente naturalista da cidadania, dá uma base ontológica - a pertença a uma nação - ao conceito de cidadania e recua muito para trás de Rousseau, que já distinguia entre o homem, enquanto indivíduo natural, e o cidadão, enquanto membro da comunidade política e, em consequência, com direitos de participação nessa mesma comunidade política.
Penso que todo o caminho da esquerda europeia e americana tem sido o inverso. Se esse discurso era legítimo à direita, duvido de que o seja à esquerda. Todo o nosso caminho tem sido no sentido de tentar dissociar os aspectos mais profundos do conceito de cidadania do conceito ontológico de nação. Nesse caso, tendemos a conceber as nações e os quadros constitucionais como podendo acomodar pluralidades culturais.
É nesse sentido que, por exemplo, Habermas se refere à ideia de patriotismo constitucional, um quadro mínimo de referência que permita concepções plurais, políticas e culturais, mas também a coexistência da diversidade no mesmo quadro político e constitucional.
É igualmente nesse sentido que Rawls se refere à ideia de consensos parcialmente sobreponíveis.
Esse conceito ontológico é, pois, o conceito que liga a nação à cidadania e tem feito irromper as guerras fraticidas e nacionalistas, sobretudo nos países de leste.
Não desejaria, todavia, incorrer em dissertação de filosofia política no âmbito desta discussão com o Sr. Deputado, mas apenas fazer-lhe uma pequena e muito simples pergunta.
Penso que a sua intervenção pode servir de teste às posições do Partido Comunista em matéria de construção europeia. A pergunta é de total simplicidade e cifra-se no seguinte: é o Partido Comunista apenas pelo aprofundamento democrático da construção europeia e, eventualmente, pela defesa de mais nacionalismo no processo da construção europeia ou está, pura e simplesmente, contra esse mesmo processo da construção europeia, iniciado em Roma em 1957?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Lamego, é evidente que o conceito de cidadania implica a participação política e direitos em várias comunidades políticas, mas também é verdade que para o constitucionalismo moderno- qualquer professor de Direito Constitucional ensinará isso - cidadania equivale a adquirir a nacionalidade e, assim, a um conjunto de deveres e direitos perante um país concreto, não apenas face aos órgãos de soberania, mas também perante outras instituições, desde, no nosso caso concreto, a freguesia e o município até, inclusive, organizações internacionais da qual esse país seja membro.
A pluralidade de comunidades políticas em que um cidadão participa é que não significa, de forma alguma, que não tenhamos de anotar a existência e ambiguidade de um determinado conceito, como, de resto, de outros. Refiro-me ao conceito de subsidiariedade, que encontramos igualmente, como bem sabe, no Tratado da União Europeia, na Constituição federal dos Estados Unidos da América e em Aristóteles. Há aí uma pluralidade de significados, que pode efectivamente servir um sentido federalizante.
Foi esse o facto que sublinhei. Se não é para servir um conceito federalizante, diria então que, se é para designar apenas um feixe de direitos, aquilo a que o Tratado da União Europeia chama cidadania é aflitivamente pouco.
No que respeita à questão do aprofundamento democrático, creio, Sr. Deputado, que importa distinguir duas ideias: uma coisa é o aprofundamento democrático da construção comunitária entendido, no fim de contas, como o grande pretexto para caminhar rapidamente para o federalismo; outra coisa é o aprofundamento democrático, tendo a consciência de que a grande questão nessa matéria é exactamente a participação dos cidadãos, o fortalecimento das instituições nacionais e o cuidado a ter, por exemplo, com os poderes dos parlamentos europeus, no sentido de não se criar uma reacção de tipo xenófobo, como efectivamente se pode verificar.
Nesta matéria, creio ser evidente que a Europa burocrática, construída nas costas dos povos, irá suscitar reacções, como já suscitou, por exemplo, através de grandes votações em França e na Dinamarca e pode igualmente vir a suscitar noutras ocasiões. O aviso ficou extremamente claro para quem o quis ouvir.
Penso, pois, que a referida distinção é extremamente importante e que se trata de uma confusão que importa clarificar.