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1402 I SÉRIE -NÚMERO 41

Esta tentativa da Sr.ª Secretária de Estado bem se compreende: desta forma procura salvar, com o acórdão do Tribunal Constitucional, de 1987, a presente proposta de lei. Mas creio não o ter conseguido e usou daquilo de que acusou os Deputados da oposição: quis confundir e, de facto, não logrou os seus objectivos.
A proposta de lei hoje em debate, para nós, assume-se como uma peça no edifício de um Estado policial e autoritário, que o Governo, como é óbvio, quer edificar.
É uma proposta brutal! É este mesmo o adjectivo com que posso qualificar a ofensiva desencadeada contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, que começou há muito.
E começou paulatinamente: primeiro, de uma forma velada e em áreas em que a tecnicidade do debate tornava pouco visível a nudez crua da verdade, mas, no percurso sinuoso da ofensiva contra o Estado de Direito democrático, os objectivos do Governo foram ficando mais claros. E hoje estão claros.
Ficou demonstrado, em recentes insucessos legislativos, que o Governo e o PSD pretendiam ignorar a Constituição e punham em perigo o conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Esta proposta de lei parece ser o remate, em nó górdio, de um laço com que se pretende restringir a liberdade e a segurança dos cidadãos.
O que pretende, realmente, o Governo com esta proposta de lei?
A partir dela, qualquer agente das forças ou serviços de segurança (por exemplo, os agentes do Serviço de Informações de Segurança, que costumam aparecer nas manifestações dos trabalhadores, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, da PSP, da GNR, da Polícia Judiciária) pode, em nome da segurança interna, que só eles definem, obrigar um pacato cidadão que calmamente transita numa via pública a identificar-se.
Pode tratar-se de um jovem de 16 anos, dirigente estudantil, por hipótese. Ou de um dirigente sindical que se apresta a distribuir propaganda de uma greve por melhores salários. Ou mesmo de alguém que, regressado a casa depois de uma incessante e infrutífera procura de emprego, desabafa em via pública o desânimo da sua vida difícil.
Qualquer destas pessoas transporta, para o Governo, o carimbo da suspeição. Qualquer destes cidadãos pode ser obrigado a identificar-se em nome da «segurança interna», conceito que na economia da proposta de lei se apresenta maleável e indeterminado, tornando possível todas as arbitrariedades.
E se qualquer daqueles cidadãos, consciente dos seus direitos, se recusar a identificar-se, será conduzido ao posto policial, onde durante seis horas ficará à disposição dos agentes das forças de segurança para provas dactiloscópicas, fotográficas e outras.
É certo que, de tudo isto, será lavrado um auto, diz a proposta. Auto que enriquecerá- é essa apenas a sua finalidade - os arquivos das forças de segurança, juntamente com os ficheiros fotográficos e dactiloscópicos do cidadão, assim obtidos, mas que não ultrapassará a zona de semiclandestinidade, pois não haverá qualquer controlo judiciário ou jurisdicional das medidas.
Como é óbvio, com a presente proposta de lei, o Governo pretende, afinal, introduzir um entorse no actual Código do Processo Penal. Dirigindo os normativos da mesma a todos os cidadãos maiores de 16 anos (idade da imputabilidade penal), o Governo demonstra (ainda que não o confesse) que desta forma, afinal, vem pretender alterar o Código do Processo Penal, que não lhe serve e não é suficiente para os seus objectivos.
Com efeito, muito embora o actual Código preveja já a possibilidade de ser exigida a um cidadão a sua identificação, a verdade é que tal só pode ser feito relativamente ao que se encontrar em local habitualmente frequentado por delinquentes.
Se este diploma viesse a conhecer as páginas do Diário da República- e não acontecerá assim, pois padece, manifestamente, de inconstitucionalidade-, mesmo na rua do nosso bairro, em plena luz do dia, nos poderia ser exigida a identificação. E porquê? «Porque sim», diria o agente de segurança.

Pelo actual Código de Processo Penal só podem realizar-se provas dactiloscópicas e fotográficas relativamente a um cidadão suspeito. E só havendo motivos para suspeita, no caso de identificação ou de recusa da mesma, é que o cidadão pode ser conduzido ao posto policial onde pode permanecer até seis horas.
Nos termos da proposta em debate, ainda que não haja suspeita alguma, o cidadão será submetido àquelas provas e será retido - mas eu direi «será detido», porque é isso mesmo que o cidadão será- por período que poderá ir até seis horas, no posto policial.
No regime do actual Código, será lavrado um auto dos actos de identificação e será enviado ao Ministério Público um relatório das diligências efectuadas. O relatório é peça despicienda para os pais desta proposta de lei.
Conviria relembrar, tal como já aqui foi feito mas que repito, que foi muito cuidadosamente que o Tribunal Constitucional, em 1987, encarou as medidas cautelares e de polícia previstas no artigo 250.º do Código de Processo Penal.
De facto, aquelas medidas, como o Tribunal reconheceu, não cabem na letra do artigo 27.º da Constituição da República. E só se salvaram da inconstitucionalidade porque o Tribunal considerou que eram actos instrumentais e necessários para conseguir a prisão ou detenção, tornadas possíveis pelo referido artigo 27.º.

O Sr. José Magalhães (PS): - Convém relembrar!

A Oradora: - Ora, as medidas propostas não se apresentam como necessárias para conseguir aqueles objectivos. São, assim, manifestamente inconstitucionais, pois colidem, de facto, com o artigo 27.º da Constituição da República.
E se fossem medidas cautelares e de polícia também colidiriam com o artigo 272.º da Constituição como, minuciosamente, se encontra analisado no relatório apresentado pelo meu camarada António Filipe.
A colisão existe porque se trata de medidas desnecessárias, inexigíveis e desproporcionadas. E não se trata, afinal, de medidas cautelares e de polícia.
A indeterminabilidade do conceito de segurança interna, a forma arbitrária como, com base no mesmo, se põem em causa direitos fundamentais, o facto de qualquer cidadão, mesmo que não suspeito, poder ser «fichado» no posto policial retira às medidas propostas o carácter de medidas cautelares e de polícia.
Com efeito, tal como se disse num acórdão muito recente do Tribunal Constitucional, de Setembro de 1993, e que chumbou uma proposta de lei do Governo, aos órgãos de polícia criminal compete proceder às medidas cautelares e de polícia justificadas por evidentes razões de urgência ou da natureza perecível de