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1398 - I SÉRIE - NÚMERO 41

te aos padrões constitucionais de protecção das liberdades individuais e aos princípios jurídicos que a moderna teoria da legislação tem por inerentes ao Estado de direito democrático.
A presente proposta governamental move-se num sentido que compreendemos e a que aderimos, qual seja o do alargamento da exigência de porte de documento de identificação. Mas é preciso dizer com frontalidade que a sua análise revela que as inovações mais significativas que avança em relação ao actual quadro legislativo não observam parâmetros fundamentais de constitucionalidade e princípios jurídicos de legislação decorrentes da ideia de Estado de direito democrático.
É grave por nos encontrarmos em área que bate à porta do direito à liberdade. É grave por mais esta proposta provir de um Governo, de uma maioria e também de um Ministro da Justiça hoje lamentavelmente ausente que sofreram sucessivas reprovações de constitucionalidade em matérias tão decisivas como o segredo de Estado, a lei anti-corrupção, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, o Tribunal de Contas; o mesmo Governo e o mesmo Ministro da Justiça que já sofreram reprovação constitucional em matéria de respeito do direito de reserva da intimidade da vida privada.
As lições sobre constitucionalidade aqui doutamente proferidas pela Sr.ª
Secretária de Estado da Justiça devem ser avaliadas à luz das notas dadas pelo Tribunal Constitucional ao Governo em matéria de respeito pela Constituição.
Quando o teste deve passar a fazer-se em função do próprio direito à liberdade, é responsável por parte do PS dizer que estamos abertos a plataformas de compatibilização entre o exercício dos direitos fundamentais e o valor, também constitucionalmente protegido e igualmente valioso, da segurança.
Mas cabe dizer-nos, com clareza igual, que não só nos constituiremos intransigentes defensores do estatuto constitucional da liberdade dos cidadãos e das suas restrições, como nos sentimos no dever de aleitar também para a gravidade de um percurso que, iniciativa a iniciativa, nos conduz da suspeição de incultura constitucional à suspeição de uma cultura legislativa inconstitucional. Que não haja pois equívocos!
Compreendendo e aderindo a uma reformulação criteriosa e constitucionalmente adequada da exigência de porte de documento de identificação, o PS terá de votar contra esta proposta se nela se mantiverem as soluções afrontosas da Constituição e do princípio da proporcionalidade a que ela confina as medidas de polícia.
Num Estado de direito democrático, sob pena de perversa violação do próprio princípio de segurança, as leis devem conter disciplinas suficientemente concretas para que possam fundamentar posições juridicamente protegidas dos cidadãos, viabilizar a defesa eficaz dos direitos e interesses dos cidadãos e a fiscalização da legalidade e funcionar como uma norma de actuação suficientemente densa para a própria Administração, neste caso para as forças e serviços de segurança. Isto é especialmente importante se está em jogo a restrição de liberdades individuais.
Na proposta governamental, a inovação mais gravosa, do ponto de vista de liberdade, é a legalização da possibilidade de retenção em posto policial, até seis horas, de um cidadão, não suspeito de prática de crime, «quando existam razões de segurança interna que o justifiquem». Com base nestas mesmas razões assim definidas, ou melhor assim indefinidas, passa a ser restritamente exigível a identificação de qualquer pessoa que se encontre ou circule em qualquer lugar público ou sujeito a vigilância policial.
É preciso dizer que esta cláusula caldeirão - quando existam razões de segurança interna que o justifiquem» é a negação, em letra de forma, e esperamos que não chegue a ser em letra de lei, da exigência de determinabilidade decorrente do princípio do Estado de direito democrático.
Os termos constitucionais em que o problema se deve colocar em nada se alteram com a inovadora interpretação que a Sr.ª Secretária de Estado da Justiça aqui fez da lei de segurança interna. Interpretação desconforme à Constituição e que está longe de ser imposta pela sua letra, porque ela própria envolve uma remissão para a lei processual penal. Ora, é sabido e V. Ex.a, Sr.ª Secretária de Estado da Justiça, não desconhece que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a norma do Código do Processo Penal, o artigo 250.º, que prevê a identificação de pessoas suspeitas e admitiu a sua constitucionalidade em termos tais que implicariam inevitavelmente um juízo de inconstitucionalidade sobre a norma constante da lei de segurança interna, se ela tivesse de ser, como não tem de ser, interpretada como V. Ex.ª aqui a interpretou.
Na base de uma cláusula assim, e assim criticável, não podem os cidadãos alcançar qualquer forma de controlo eficaz da veracidade e suficiência das razões de segurança interna que no caso fossem invocadas.
Como seria possível reagir a abusos, a invocações em vão da santa cláusula? E sabe-se como esta matéria dos abusos constitui, ela própria, legítima preocupação dos cidadãos.
Uma cláusula com a abertura que é proposta envolve uma dose de insegurança jurídica inaceitável à luz do nosso ordenamento constitucional. Viria, sem dúvida, precarizar excessivamente a posição dos cidadãos - insisto, cidadãos não suspeitos da prática de qualquer crime frente aos que passassem a poder invocá-la, da forma incontrolada que é prevista. Daí que noutros países, com exigências constitucionais menores do que as nossas, se encontrem fórmulas mais restritivas e densas. Era bom que elas tivessem sido ponderadas pelo Governo. Será bom que possam ser ainda!
Nos casos em que isso se revele justificado, é preciso obviar à alegada precarização da posição das forças de segurança. Mas é indispensável que isso se não alcance através da precarização da posição dos cidadãos. Este é o Rodes e aqui é preciso saltar quando se quer segurança numa sociedade aberta.
Contudo, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, há mais. Relativamente à retenção de cidadãos não suspeitos em posto policial até seis horas, ouvimos agora mais uma interpretação inovadora no sentido de que a partir do momento em que o cidadão fosse conduzido ao posto policial se reentraria no campo do Código do Processo Penal. Isto se bem entendi as explicações da Sr." Secretária de Estado da Justiça, que pelo menos admitiu essa hipótese, introduzindo, portanto, uma nota de dúvida na segurança do Governo em toda esta argumentação. Aliás, diria até que é de insegurança, pois interpreto nesse sentido a aposta do Governo em eximir o seu Ministro da Justiça a mais uma presença, neste Hemiciclo, que fosse seguida de uma nova reprovação em matéria de inconstitucionalidade.