23 DE JUNHO DE 1994 2669
O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: O ponto de partida para um debate profícuo em torno de uma iniciativa legislativa que incida sobre a organização e o funcionamento das instituições democráticas do Estado deve assentar na assunção de especiais responsabilidades por parte dos principais parceiros institucionais envolvidos, que são, no caso em apreço, os partidos com representação parlamentar.
O acto de legislar sobre o Estatuto do Direito de Oposição força o reconhecimento dessas responsabilidades e não pode ser considerado, em nenhuma circunstância, uma diligência menor nem entender-se dissociado do propósito de contribuirmos - enquanto representantes de todo o povo português - para a dignificação e o reforço da função participativa dos agentes e das instituições do Estado democrático.
Nesta como noutras matérias marcadamente distintas da discussão ideológica os democratas devem procurar entender-se, o que mais se justifica quando se analisam regras essenciais para o fortalecimento da cultura democrática.
A questão que hoje temos sobre a mesa constitui, indubitavelmente, um elemento fundamental da estruturação da vida democrática. É neste pressuposto que participamos neste debate.
Realizamo-lo, aliás, com a certeza de que a nossa novel democracia sairá fortemente credibilizada se, do empenhamento de todos os partidos parlamentares relativamente a tão significativa matéria, resultar uma deliberação consensual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontro-me no número daqueles que prefeririam tratar o tema dos direitos da oposição em resultado de uma iniciativa legislativa oriunda da maioria parlamentar.
Se tivesse sido esse o comportamento da maioria, estaríamos perante uma atitude reveladora de grande maturidade política e de afirmação da identidade democrática do partido que detém não só a legitimidade mas também a responsabilidade de governar o Portugal de hoje no respeito pelos mais elementares princípios e praxes democráticas.
Porque assim não sucedeu, a omissão da actual maioria parlamentar tem de ser suprida por nós, através da proposta de um conjunto de normas e critérios que consideramos ajustados à realidade que temos e ao futuro que desejamos para a nossa vivência democrática, e cuja observância impõe uma mais exigente definição dos processos de responsabilização política concretizada a todos os níveis do exercício do poder político do Estado.
Pensamos mesmo que, na ausência da aprovação deste normativo ou de outro similar que prefigure um novo pacto institucional, a actividade democrática defrontará mais e maiores obstáculos, não sendo de excluir a possibilidade de virem a trilhar-se caminhos desvirtuadores e até atentatórios da essência do próprio regime democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É deveras preocupante constatar-se que, nos últimos anos, se tem acentuado a tendência para a desvalorização da democracia representativa em Portugal e, concomitantemente, a memorização do papel dos partidos da oposição.
Algumas vozes poderão levantar-se em tom culpabilizador das minorias políticas por causa das dificuldades que experimentam. Sem enjeitarmos as responsabilidades que nos cabem sentimos, todavia, que a realidade é outra e bem diferente.
Não vamos ocultar a convicção de que elencamos como causa primeira desse perigoso definhar da nossa vivência democrática a forma de actuar das maiorias absolutas existentes, quer na Assembleia da República quer nas Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira.
Essa convicção, que igualmente se reforça pelo contacto com a realidade em que omnipresentes fenómenos de governamentalização da sociedade portuguesa - sentida em quase todos os domínios da nossa vida em comunidade -, justifica suficientemente a presente iniciativa que, sendo um pequeno passo, pretende integrar-se noutro desígnio, de cariz oposto- porque profundamente democrático! -, que estará na base de uma necessária e inadiável reforma do nosso sistema político.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tratando-se de direitos da oposição, não poderia ficar excluído deste projecto de lei o reconhecimento explícito dos direitos dos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira que não fazem parte dos respectivos Governos Regionais.
Por maioria de razão, as características especiais do regime de autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira evidenciam a indispensabilidade da adopção de medidas específicas que, com o sentido principal de proteger e incentivar a participação democrática, possam promover, também, um estádio mais aperfeiçoado de rigor democrático no funcionamento dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
Dessas características específicas consideramos fulcral a natureza do regime parlamentar a que o modelo constitucional da autonomia regional confere a sua expressão mais pura.
Esta importante singularidade coloca os parlamentos regionais no lugar cimeiro da hierarquia do poder político regional e, em princípio, atribui à pluralidade das forças partidárias que os compõem a responsabilidade da condução do mais nobre protagonismo dentro do sistema político consagrado na Constituição para as regiões insulares portuguesas.
Infelizmente, nesta como noutras situações, da teoria à prática vai uma grande distância.
Como todos sabemos, durante os últimos 18 anos e ao longo de sucessivos mandatos de exercício de poder hegemónico nas duas Regiões Autónomas, o partido maioritário não tem respeitado - para além do invólucro formal - nem a natureza especial do regime parlamentar nem uma salutar praxe democrática, sendo neste caso particularmente evidente a diferença que existe entre as práticas seguidas nos Açores e na Madeira.
Não reputamos relevante, no contexto deste debate, fazer-se tese sobre a intencionalidade das opções e comportamentos que acabaram por restringir - se não mesmo, em alguns casos, subverter - o processo democrático das autonomias regionais.
As denúncias e provas de suficientes anomalias têm sido apresentadas ao correr do tempo e, sendo a experiência a grande mestra, já retirámos, em sede e alturas próprias, os ensinamentos úteis, especialmente tendo em conta os actos e ocorrências que, como democratas e defensores de uma cidadania plena, mereceram o nosso firme protesto e frontal reprovação.
Mais importante do que a repetição de argumentos conhecidos é o assumir de uma postura liberta de conformismos que almeje uma indispensável alteração dos relacionamentos institucionais - nomeadamente conducente a uma efectiva separação de poderes- e com ela se consigam definir novos e mais exigentes procedimentos de responsabilização política.
As novas exigências que preconizamos, no âmbito da presente iniciativa legislativa, com vista a um melhor funcionamento do sistema autonómico - e que devem ser colocadas no contexto de uma legítima e justa participação institucional dos partidos da oposição parlamentar nas Regiões