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2920 I SÉRIE - NÚMERO 89

projecto de lei n.º 402/VI - Extinção do Serviço de Informações de Segurança, da sua autoria.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apresentar o projecto-lei que propõe a extinção do SIS na mesma sessão em que se discute a proposta do Governo que altera a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa é, no meu entender, o melhor contributo que poderia dar para esta discussão.
De facto, trata-se não só do SIS mas do SIStema e é o sistema que tem de ser confrontado e questionado.
É que as graves irregularidades, ilegalidades e ilegitimidades que puseram o SIS debaixo da crítica da opinião pública, muito antes que debaixo da crítica dos próprios Deputados, não configuram, como se pretendeu fazer crer, excesso de zelo de um funcionário afectado por disfasia em relação aos mui nobres objectivos do SIS, mas, isso sim, excesso do próprio SIStema, porque é, de facto, o sistema que está em causa.
Poderia dizer-se que também o Governo está de acordo, visto vir propor a sua alteração.
Mas ao Governo, em minha opinião, falta-lhe credibilidade para apresentar uma nova proposta. E porque falta credibilidade ao Governo?
Primeiro, porque o Governo ainda não assumiu as suas responsabilidades políticas nem em relação à actividade ilegal do SIS nem em relação à actuação ilegal e criminosa da DINFO, que se traduziu em atentados contra direitos humanos, no envolvimento em actividades criminosas e atentados contra a vida de pessoas, nomeadamente violando a soberania de outro Estado.
Depois, porque ainda nada sabe dizer-nos sobre o famoso microfone à escuta do Procurador-Geral da República.
A proposta do Governo nada altera de substancial naquilo que são preocupações de garantia de transparência e acção nos moldes democráticos que a Constituição prescreve, reforça a governamentalização dos serviços de informação e confirma a apetência centralizadora e policial do Governo.
Os agentes dos serviços de informação são gente que está acima da outra gente. Vigiam-na, invadem a vida privada dos cidadãos mas, em nome de um segredo de Estado ou de acordo com a vontade do Primeiro-Ministro, podem furtar-se a comparecer em tribunal, naquilo que pode mesmo configurar uma ingerência inaceitável do poder executivo no poder judicial.
Finalmente, a proposta de lei nem sequer se refere ao SIS, o mais contestado ramo das «secretas».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Podemos fazer um exercício de abstracção e admitir que o que interessa é garantir uma fiscalização adequada do SIS, que passaria pelo reforço de poderes e de meios do Conselho de Fiscalização.
O SIS teve uma actuação que, em alguns aspectos, se tornou do conhecimento público pela flagrante violação dos direitos democráticos dos cidadãos: infiltração numa associação académica, vigilância de manifestações de estudantes e sindicais, vigilância de magistrados na Madeira e de militantes partidários, etc.
Para quê e porquê, pergunta-se. O Governo respondeu de duas formas: disse, em primeiro lugar, que nada da actividade do SIS configurava qualquer violação da legalidade democrática e ainda que o SIS podia, e pode, fiscalizar organizações e associações legais, desde que possa entender-se que prosseguem fins que conduzam a ameaças sérias ao Estado constitucional, como as terroristas ou violentas. No entanto, não consta que tenha havido qualquer actuação séria sobre os skinheads ou o MAN, e a que houve deveu-se ao Ministério Público. Aliás, a presença consentida de Le Pen periodicamente no nosso país, com os seus sequazes, para propagandear ideias e organizar movimentos fascistas, não é, sequer, questionada pelos poderes públicos.
Em segundo lugar, quando o escândalo da Madeira não podia mais ser calado e tomara conta da opinião pública, o Governo respondeu que se teria, tratado de violações por excesso de zelo, por ingenuidade ou até por senilidade do responsável, na versão do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
O SIStema aceitou e arquivou relatórios ilegais, tornando-se cúmplice da violação de direitos fundamentais, ainda mais por não ter comunicado aos interessados que haviam sido vítimas dessa violação. Mas ela era uma secreta violação!...
A fiscalização poderia detectar esta situação? Eventualmente, como é evidente!
Mas por que razão o director do SIS/Madeira e o director do SIS violaram a legalidade democrática? O que é, para essas pessoas, a legalidade democrática, os direitos dos cidadãos, etc.? E não nos devemos esquecer que foram colegas nos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações durante a guerra colonial, em íntima ligação com a actividade da polícia política, na perseguição a democratas e nacionalistas!
Tudo aquilo que não colida com os interesses superiores do Estado, eis onde fica para eles esse fugidio campo da legalidade democrática: primeiro o Estado, depois os direitos dos cidadãos! Mas esta aberração é apenas de gente desajustada do regime democrático? Não! Ela preside a toda a concepção dos serviços de informação, nomeadamente, e em especial do SIS.
Não pode aceitar-se que a democracia seja defendida por serviços secretos. O Estado democrático apenas se defende na defesa da democracia e, portanto, da livre expressão dos direitos constitucionais dos cidadãos e do seu uso em declarações, reuniões, manifestações, protestos, reivindicações e resistência, ao abrigo do artigo 21.º da Constituição, bloqueando a ponte ou impedindo a entrada de peixe espanhol, que os arruina ou os põe à fome, como fazem os pescadores. Eis a vida de uma sociedade democrática!
E o terrorismo, a sabotagem e a espionagem? Pois bem, o SIS, para prevenir essas ameaças - que vêm de onde? - infiltra-se, acompanha, vigia tudo o que seja movimentações da sociedade, umas mais conformadas que outras, donde possam surgir eventuais focos que possam, mais cedo ou mais tarde, originar os tais actos que ponham em risco a segurança do Estado.
De outra forma, que fazer? Deixar o Estado indefeso?! Coitado!... Esperar que, de repente e de surpresa, lhe caia um raio que o parta, sem saber de onde vem?! Impossível! Então de onde vem ou pode vir o temível corisco? De outro país, inimigo potencial? De uma organização terrível, como aquelas que o «Agente 007» impede de darem cabo do mundo? Para tal, haverá, de certo, o SIED ou, agora, o SIEDM, como quer o Governo. Mas o SIED está há 10 anos sem ser regulamentado, porque o que preocupa o Governo é o famoso inimigo interno, ou seja, os cidadãos e as suas organizações políticas, sindicais e até mesmo culturais ou recreativas. Para a defesa dos cidadãos nem sequer está a funcionar a Comissão Nacional de Protecção de Dados!