452 I SÉRIE - NÚMERO 13
As analogias neste caso serão ilegítimas.
Primeiro, porque Timor é, de todos esses antigos territórios que estiveram sob a administração portuguesa, o único que ainda aguarda o fim do processo de descolonização.
Depois, porque essa situação, se outros factos não existissem - e existem -, seria bastante para justificar as especificidades do caso dos funcionários e agentes timorenses.
Uma outra questão que o projecto de lei traz ao Parlamento é a relação de Timor e do seu povo com Portugal.
Timor seria hoje uma referência mítica para todos os portugueses se a história dos seus últimos 20 anos não tivesse sido uma sucessão trágica de actos de opressão e de genocídio, praticados pelas forças armadas da Indonésia.
Pouco a pouco, quase ao sabor das grandes conferências e cumplicidades- como acontece agora em Djakarta - a opinião pública internacional vai despertando para o que se passa em Timor, cujo povo martirizado não tem merecido a devida atenção às Nações Unidas.
O projecto de lei suscita ainda a questão da natureza do território de Timor e do seu povo em termos de direito público internacional e interno.
Antes de 1974, como todos se recordam, Timor Leste era para Portugal território português, primeiro como colónia e, depois de 1951, como província ultramarina.
Externamente, as Nações Unidas haviam declarado, em 1960, que Timor e suas dependências, bem como todas as restantes colónias portuguesas, eram territórios não autónomos, sem governo próprio.
Assim, se olharmos para trás na História, verificaremos que, enquanto no direito interno português Timor era território nacional, em termos internacionais Timor Leste era território não autónomo, sem governo próprio.
Portugal, para as Nações Unidas, era a potência administrante, isto é, tinha a responsabilidade de, em paz, segurança e com respeito pela cultura desses povos, assegurar o seu progresso político, económico, social e educacional.
Tinha ainda, entre outras, a responsabilidade de promover a capacidade desses povos a autogovernarem-se.
Todos os outros territórios não autónomos - e foram muitos -, Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, declararam a sua independência, assumiram o seu autogoverno e nacionalidade própria.
Não aconteceu isso com Timor.
Este território, o de Timor, foi brutalmente invadido e ocupado pelas forças armadas indonésias em finais de 1975.
A comunidade internacional, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, decidiu então, logo a seguir, deplorar a intervenção das forças militares da Indonésia e pediu a sua retirada, para - e estou a citar - que o povo timorense pudesse exercer, livremente, o seu direito à autodeterminação e à independência.
Isto não aconteceu. Tudo ficou na mesma.
A situação que ainda hoje se mantém - e é a mesma, como disse - pode, portanto, sintetizar-se no seguinte: primeiro, temos um território não autónomo (Timor Leste e o respectivo povo timorense) sem governo próprio; segundo, temos o Estado indonésio em oposição à comunidade internacional, porque, pela força, violou a integridade territorial e os direitos humanos do povo de Timor, impedindo, assim, que este exercesse o seu direito fundamental à autodeterminação e à independência; terceiro, temos Portugal, que continua a ser, internacionalmente, a potência administrante, com as obrigações que daí decorrem na defesa dos interesses e da cultura do povo administrado, o povo timorense, mas, paradoxalmente, Portugal não tem relação directa no território com o povo timorense; quarto, finalmente, temos as Nações Unidas, que têm a obrigação - que não tem cumprido, é preciso dizê-lo -, decorrente da Carta, concretamente do artigo 75.º, de estabelecer, sob a sua autoridade, um sistema internacional de tutela para a administração e fiscalização dos territórios não autónomos, como é o caso de Timor Leste.
É neste enquadramento, Srs. Deputados, que se situa o projecto de lei n.º 295/VI, que agora estamos a debater. É uma matéria que nos obriga a ser muito claros e frontais, em que a coerência na decisão é fundamental.
Timor não é independente, não tem autogoverno e os timorenses não têm nacionalidade própria.
O caso dos timorenses é, portanto, claramente diferente do dos naturais das outras antigas colónias portuguesas, que são hoje Estados independentes, com nacionalidade que ofereceram aos seus cidadãos.
Esta situação faz surgir, naturalmente, uma outra problemática: a da nacionalidade dos timorenses.
Os naturais de Timor Leste, que eram portugueses em 1974, continuaram portugueses depois.
Não obstante a invasão e a ocupação pelos indonésios, os timorenses mantiveram a nacionalidade portuguesa?
A resposta não pode ser equívoca: estavam ao serviço da administração portuguesa, em território então constitucionalmente português e eram filhos, então, de portugueses.
Serão portugueses? Mantemos a pergunta.
Tudo aponta para que sim. A resposta muito clara que deixo aqui é a de que são portugueses estes funcionários e agentes do Estado que prestaram serviço a Portugal, nessa época remota, no território de Timor.
A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portugal não é como certos países, que distinguem a nacionalidade da cidadania, com vários graus para cada uma.
Na verdade, Srs. Deputados, como sabem, existem Estados que têm nacionalidades reduzidas e cidadanias restritas, nacionalidade sem cidadania, cidadania sem direito ao voto e sem direito a residência, etc. etc. As combinações são muitas.
Portugal, felizmente, não está no número desses Estados.
Timor não é um Estado independente, os seus naturais não tem nacionalidade própria, os timorenses são nacionais portugueses, com uma nacionalidade que não é reduzida. Devem, portanto, ter o tratamento que o projecto lhes atribui e que, digo-o já, vamos aprovar na generalidade.
Na especialidade terão de ser feitos alguns ajustamentos que permitam uma melhor adequação entre a vontade da Câmara e a realidade orçamental.
Sei, e creio que devo dizê-lo, neste momento, que o próprio Ministro das Finanças se propõe contribuir, na especialidade, para este desiderato.
Esta iniciativa legislativa parte do pressuposto de que funcionários e agentes timorenses foram duplamente impedidos de exercer as suas funções. Primeiro, porque, no local, as estruturas da Administração Pública portuguesa foram desmontadas pelas forças indonésias. Segundo, porque ficaram retidos na ilha, só tendo conseguido apresentar-se em Portugal vários anos depois.
O projecto dirige-se, assim, aos timorenses que- isto deve ficar claro, sem equívocos - são cidadãos portugueses; foram, em Timor Leste, até l de Agosto de 1975, funcionários e agentes do Estado português; e se apresentaram, em Portugal, à Administração Pública.
Para terminar, Srs. Deputados, quero apenas acrescentar o seguinte: este projecto de lei é um acto de justiça e, creio