18 DE NOVEMBRO DE 1994 507
Justiça e ao seu Governo por uma cumplicidade objectiva na incapacidade de um combate sério e credível à corrupção.
E não se venha falar de dificuldades orçamentais que não existem, e não podem existir, para a adopção de meios essenciais que garantam uma justiça que não se deixe derrotar pela corrupção. A impunidade e a imunidade da corrupção são a impunidade e a imunidade dos corruptos, que existem nos altos cargos políticos e públicos, e, por arrastamento, é a possibilidade de uma suspeição geral sobre a classe política e o seu descrédito indiscriminado e perda de confiança no funcionamento do regime democrático.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas passemos, agora, às celebradas teorias sobre a gestão de meios e prioridades de investigação criminal. Temos que ser claros.
A definição da política criminal cabe ao Governo e este fê-lo, desde logo, no seu programa de Governo, quando disse «Elegendo-se como áreas de intervenção preferencial, reforçar-se-ão os mecanismos de coordenação e de combate à criminalidade violenta e organizada e ainda ao tráfico de estupefacientes, à corrupção e fraudes anti-económicas».
O Ministro da Justiça tem, por isso, que dirigir a concretização desta política, assumida programaticamente, e fornecer às instituições competentes os meios para a sua realização.
Ao Ministério Público cabe dirigir a política de investigação criminal e definir as prioridades dessa investigação. Deve naturalmente ter, por isso, os meios essenciais e logísticos para realizar essa direcção.
Não faria sentido que um qualquer Estado-maior no campo de batalha estivesse separado em quilómetros do seu exército e nem sequer tivesse um telefone ou uma viatura para com ele contactar.
À Polícia Judiciária cabe, por sua vez, organizar os seus meios para dar cumprimento às prioridades definhas pelo Ministério Público e realizar as acções que lhe competem nos termos da lei.
O controle final de legalidade da investigação criminal é da responsabilidade da magistratura judicial.
Assim, tudo ficará claro para concluir que ao Sr. Ministro da Justiça apenas cabe «chefiar» as polícias em matéria de intendência- isto é, na organização dos meios que lhes quer facultar - e que quem as «chefia», em matéria de investigação criminal, é o Ministério Público, controlado, por sua vez, pela magistratura Ao Sr. Director da Polícia Judiciária, que está na dependência hierárquica orgânica do Ministro e na dependência hierárquica investigatória do Procurador-Geral da República, cabe dirigir, coordenar e organizar os meios de acção no terreno - e só no terreno - da investigação criminal.
Tudo o resto nos parece absurdo e qualquer desvio deste entendimento pode levar-nos a pensar que um controlo dos meios é, afinal, ou pode vir a ser, um controlo dos fins. Isto é, na prática - e afastadas evidentemente quaisquer descabidas suspeições pessoais, que não têm lugar -, quem dirige os meios pode, num sistema de contraposição entre distribuição e organização de meios, fazer com que os fins sejam inquinados pelos próprios meios que dirige.
Como o Procurador-Geral da República nos disse, a lei anticorrupção nada traz de particularmente novo e continua a congelar um procedimento burocrático e sinuoso nas relações entre a Polícia e o Ministério Público, continua a configurar uma situação «sem meios adequados e uma incorrecta definição das regras exigidas pela dependência penal das polícias».
Para já - e isso é indiscutível -, desde há cerca de quatro anos, por falta de meios ou pela sua má distribuição - em qualquer caso isto é da única responsabilidade do Ministro da Justiça -, não tem havido um combate sério, rápido, eficaz e firme à corrupção.
E, nesse caso, o Ministro tem de assumir, directa e publicamente, as suas responsabilidades - ou o Procurador-Geral da República está errado e não está a cumprir as suas funções ou o Ministro não tem estado à altura do cargo e dos próprios compromissos assumidos pelo Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os fenómenos da corrupção alimentam-se naturalmente da opacidade, da clandestinidade das decisões, da não visibilidade dos actos públicos, da intercomunicação viciosa entre agentes públicos e pessoas privadas e da indeterminação das soluções legais. A corrupção germina e progride com a impunidade, com a subversão das regras da igualdade e da liberdade da concorrência ou com o favorecimento partidário e clientelar no preenchimento de cargos públicos.
Não é por acaso que o fenómeno encoberto e subterrâneo da corrupção, frequentemente articulado com outras actividades ilícitas, aparece muitas vezes - e di-lo, no seu último relatório, em Março de 1991, a Alta Autoridade contra a Corrupção -, em matérias tão díspares como loteamentos urbanos, leilões de alfândegas, aceitação de dádivas ou presentes a funcionários públicos ou equiparados, fundos autónomos ou uso indevido da legislação sobre as sociedades de gestão e investimento imobiliário, concessão de benefícios fiscais como incentivo ao investimento, falta de transparência em concursos públicos, sistemas de adjudicação e fiscalização de obras públicas, etc.
O fenómeno da corrupção põe, por isso, em causa a credibilidade do Estado, a sua natureza de pessoa de bem, a confiança que os cidadãos devem depositar no Estado de direito, no sistema democrático e nos seus representantes.
O fenómeno da corrupção, enquanto perturbação perversa do exercício democrático, é uma questão política maior que atravessa o funcionamento do sistema de Governo, os sistemas administrativo e económico-financeiro.
A corrupção e um problema político e não moral. A corrupção destrói a reserva de obrigações recíprocas que define um Estado livre, porque, elevando alguns acima das leis, ela permite-lhes fazer impunemente obstáculo ao legítimo direito de outros quem quer que dê um lugar a um dos seus amigos priva outro do direito legítimo do seu mento pessoal; quem quer que use fundos públicos para fins privados priva o conjunto dos cidadãos do direito que eles têm de decidir - por intermédio dos seus representantes - do uso que deve ser feito dos fundos colectivos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados- Que dizer, a este nível e neste plano, do compadrismo absurdo no preenchimento dos lugares dirigentes da Administração Pública de nomeação governamental? A nomenclatura do partido do Governo e seus delfins ocupa, por exemplo, cerca de 90 % dos lugares dirigentes distribuídos às Comissões de Coordenação Regional, Comissões Regionais de Segurança Social, Administrações Regionais de Saúde - e lemos, agora, o triste exemplo da Guarda-, Administrações Hospitalares, delegações dos Institutos dos Desportos, Direcções Regionais do Ministério da Agricultura, delegações do Instituto da Juventude, Direcções Regionais de Educação, delegações da Secretaria de Estado da Cultura, delegações regionais do Ministério da Indústria e Energia, delegações do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas