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9 DE DEZEMBRO DE 1994 695

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fernando Lopes Graça toldou a sua personalidade como grande artista músico e como um cidadão que, com coerência, soube combater pelas liberdades cívicas e democráticas contra o regime obseuro, opressor e fascista, o que lhe valeu ser preso e desterrado na sua própria Pátria, chegando a ser obrigado a exilar-se em França.
Era um homem de cultura. E isso bastava para ser perseguido. Os mentores do regime impediram-no de ser professor de piano no Conservatório, para o qual concorreu, obtendo a mais alta classificação, com as provas a decorrerem, já sob prisão, em 1931.
Apesar de ter ganho uma bolsa em musicologia em 1934, perante um júri da Junta de Educação Nacional, o Ministério não homologou tal decisão.
Quando regressou do seu exílio em França, em Outubro de 1939 - já grassava na Europa a II Grande Guerra - foi convidado para integrar a Emissora Nacional, a fim, de realizar programas sobre música. Não obstante este convite, não foi autorizado pelos governantes a integrar os quadros da rádio.
A sanha quanto ao grande maestro, já amplamente conhecido dos grandes centros musicais internacionais, foi ao ponto de lhe retirarem o diploma de professor do ensino particular. Recorde-se que, nessa altura, exercia essas funções na Academia dos Amadores de Música, onde organizou e sempre dirigiu, com o êxito que todos conhecem, o respectivo Coro.
Apreensão do seu caderno de música «Marchas e Canções próprias para grupos corais ou instrumentais populares», de sua autoria, publicado pela Seara Nova; proibição de proferir conferências; proibição de actuações do Coro da Academia dos Amadores de Música; censura de composições e canções, por tudo passou Lopes Graça, tendo sido até vítima de infame denúncia aos nazis alemães em 1941.
Era assim que o fascismo actuava; era assim que os «iluminados» - e alguns andam por aí... - actuavam e procediam...
E não se pode esquecer as sucessivas ondas persecutórias contra a intelectualidade portuguesa, contra os grandes mestres, contra poetas, cientistas, professores universitários, escritores, jornalistas. Lopes Graça não fugiu à regra. Era um expoente cultural, logo perigoso... Lopes Graça não aceitava a política oficial, logo, perseguido.
O Maestro Lopes Graça não era, nem nunca foi, homem para desistir. Prosseguia incansavelmente na sua profunda actividade de compositor, de professor, de director do Coro da Academia dos Amadores de Música e continuava a compor. Quem não se lembra das «Canções Heróicas»!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Povo português aderiu facilmente às canções de Lopes Graça, apesar das dificuldades na sua divulgação. Eram canções de intervenção contra a repressão, contra a censura, contra a manipulação do povo trabalhador, contra as perseguições, contra as prisões políticas, os campos de internamento e os campos de concentração, eram canções de esperança e de intervenção.
A propósito, lembro estas palavras de Lopes Graça: «As canções que ides ouvir roubei-as eu ao nosso Povo, que tem um grande tesouro delas e roubei-as, não para as guardar para mim, mas com o propósito de lhas restituir com juros do roubo... Revelaram-me elas melhor o drama do Povo Português, ensinaram-me a conhecê-lo mais intimamente, ajudaram-me a formar uma tunda identificação com ele - e eu considero isto um benefício muito importante para um artista, para um músico que deseja e se esforça por que a sua arte, mais do que uma aventura ou uma confissão pessoais, seja um meio de comunicação, melhor, um meio de comunhão com o Povo a que pertence».
Esta era a personalidade do homem de bem e de cultura, infatigável lutador inteiramente dedicado à música e ao seu Povo.
Agora, com a sua morte, muitos foram lembrar-se de Lopes Graça. Todos o elogiam. Mais vale tarde do que nunca! As rádios, as televisões, enfim, há quem queira ficar de consciência mais tranquila, principalmente aqueles que, podendo, não divulgavam as suas composições e as suas canções e que não aceitavam o seu posicionamento político ou ideológico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados' A melhor maneira de sempre lembrarmos Lopes Graça é ensiná-lo nas escolas e nos conservatórios, é recordar e divulgar a sua obra e recordá-lo como um cidadão ímpar, o melhor entre os melhores.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Foi com sentida emoção que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou este voto de pesar e é com idêntico sentimento que recordamos e prestamos homenagem à memória de Fernando Lopes Graça, porque ele foi um dos nossos melhores, pela sua dedicação ao povo a que pertencia, pela sua dignidade e verticalidade, pela sua inatacável coerência política, partidária e cívica, pela sua coragem e pela sua incomparável humildade.
Durante a longa noite fascista, a música com que Lopes Graça cantou poemas inesquecíveis foi ânimo e coragem para gerações que, como ele, escolheram viver de pé.
A minha geração e outras, certamente, nunca esquecerão a solidariedade activa e a coragem que, em momentos difíceis, sempre lhes foram transmitidas por Lopes Graça e por uma das grandes criações da sua vida, o Coro da Academia dos Amadores de Música.
Mas o falecimento de Lopes Graça não foi apenas uma perda para nós, foi uma grande perda para a cultura portuguesa e para o nosso país.
Ele foi um dos maiores compositores da nossa história musical, um grande pedagogo, um notável investigador do património musical, nas suas mais profundas e históricas raízes nacionais, um incansável divulgador da cultura musical no nosso país e também um cidadão ímpar e exemplar.
Lopes Graça nunca teve benesses nem homenagens do poder, mas, como disse Raul Rego, elas também nada acrescentariam à sua obra, à sua vida, à firmeza da sua personalidade moral, intelectual e política.
Lopes Graça partiu mas a sua memória perdurará na obra que nos legou e na história da sua vida, como um exemplo inspirador para as novas gerações.
Lopes Graça morreu para a vida mas não morrerá na memória agradecida dos que o conheceram.