26 DE JANEIRO DE 1995 1265
que aproveitarão a sua competência para que este órgão seja prestigiado, o verdadeiro espírito da lei seja cumprido e o organismo não degenere numa mera prebenda. Esta é a primeira garantia de que vale a pena tentar fazer da CADA um organismo como a lei pretende.
Em segundo lugar, até hoje - e, por exemplo, mesmo depois das Ordenações, do Código Civil de Seabra, e de todas as reformas do Código Civil -, ainda há normas que pedem interpretações diferentes, ainda há "buracos" na lei, ainda há leis que são preenchidas pela jurisprudência. O que será o núcleo duro do segredo comercial? O que Será o núcleo duro do segredo industrial? O que será o núcleo duro da vida interna da empresa? Ninguém poderá defini-lo por padrões teóricos; só a experiência no-lo dirá. Por exemplo, o núcleo duro de uma empresa na Itália é completamente diferente do núcleo duro de uma média empresa em Portugal. Ou seja, cada país tem a sua cultura,, a sua organização e mesmo a sua cultura do próprio segredo comercial. Assim sendo, temos de adaptar-nos à realidade nacional e da vida para fazer das leis um ser vivente e não um ser pré-construído para resolver todas as coisas.
Por isso mesmo, a jurisprudência da CADA não será contra o Supremo Tribunal Administrativo, contra os tribunais judiciais ou contra quem quer que seja. A CADA fará a sua própria jurisprudência, que, depois, será comparada à dos outros órgãos, para saber qual é a melhor e qual deve prevalecer.
Em segundo lugar, dizer-se que nunca deve ser impedido o acesso directo aos tribunais é uma visão não direi pós-modernista mas um pouco ultrapassada das coisas. Efectivamente, não podemos levá-la a tal ponto que não haja órgãos intermédios ou diferentes dos judicias ou antejudiciais para não sobrecarregar os tribunais com todas as queixas dos cidadãos. Só se verificarmos que isto é impossível é que deve haver recurso directo aos tribunais.
A tendência, hoje, é para libertar os tribunais das questões que não são tipicamente jurisdicionais pelo recurso a outros organismos. E não se pode pretender entregar imediatamente aos tribunais determinadas matérias, como a do acesso aos documentos da Administração, quando se sabe que cias não são tipicamente jurisdicionais. Portanto, há que dar aos tribunais o que é estritamente jurisdicional e preservá-los daquilo que eles podem largar para outras mãos.
Em quarto lugar, devo dizer que, ao votar favoravelmente tanto o projecto de lei como o regulamento, não estamos a dar um cheque em branco, porque tudo, daqui por diante, vai correr pelo melhor. Já aqui foi dito que a nassa cultura é a cultura do bunker, que a nossa cultura administrativa é a cultura do segredo; que a nossa cultura administrativa é a cultura da confidencialidade; e que a nossa cultura de modernização administrativa é pôr um jarro de flores no balcão e nada modificar atrás dele.
Por isso mesmo, depois destes 10 anos que foram perdidos sob o nome "modernização administrativa", pagando secretarias de Estado, pagando pessoas simpáticas e pagando funcionários que, no fundo, não fizeram rigorosamente nada, vamos dar os primeiros passos - pequenos passos - e vamos ver se abrimos as primeiras portas, nem que sejam frestas, para, efectivamente, haver um arquivo aberto, uma Administração aberta e um acesso directo dos cidadãos àquilo que lhes interessa e que, até agora, estava fechado. Esperemos que esta experiência seja o começo do exemplo para outros países.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que se refere ao projecto de lei em discussão e às preocupações que, em nossa opinião, ele traduz, é nossa convicção - e aí poderemos estar de acordo em que o direito à informação é um direito fundamental dos cidadãos, sem o qual falar de cidadania é um mero slogan - que é partindo da realidade que as soluções legislativas têm de ser encontradas.
A questão do direito à informação, enquanto sinónimo de direito de participação, é uma questão extremamente preocupante para nós - e, aliás, já tivemos oportunidade de a colocar aqui no Parlamento, há cerca de uma semana, quando discutimos as questões relativas à liberdade de acesso a dados sobre o ambiente -, porque se nos parece que o acesso à informação é fundamental para o exercício de qualquer direito, ele é manifestamente evidente quando essa necessidade se coloca em matérias ambientais.
Consideramos que direito à informação é sinónimo de direito de participação e esta é, comprovadamente, uma forma de contribuir para a defesa do meio ambiente. Daí termos apresentado uma iniciativa legislativa sobre esta questão durante esta Legislatura, que, como se recordam, o PSD "chumbou", porque existia uma directiva comunitária considerando o domínio da informação e do direito à informação dos cidadãos fundamental na perspectiva da defesa do meio ambiente que tinha como limite temporal, para ser transposta para o direito interno, Dezembro de 1992.
Entendeu o Governo- do nosso ponto de vista, mal! - dar essa directiva comunitária por transposta na Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, que regula o acesso aos documentos da Administração. Parece-nos que esta lei, que diz, no seu artigo 22.º que "o acesso a documentos em matéria de ambiente efectua-se, nos lermos da presente lei, com o âmbito e alcance específicos decorrentes da Directiva n.º 90/313/CEE, de 7 de Junho", foi o primeiro passo para recuar, amputar e desvirtuar o sentido das liberdades que, nesta matéria, a directiva traduzia.
Desde logo, porque a directiva permitia o acesso a dados numa perspectiva de intervenção em que eles se colocavam - e não apenas de dar conhecimento, eventualmente, de situações positivas - para que os cidadãos pudessem ter conhecimento de actividades danosas para o meio ambiente, porque essa era também uma forma de os fazer participar.
Por outro lado, esse acesso, individual ou colectivamente considerado, também não obrigava o cidadão que a eles recorresse a ter de justificar o seu interesse directo nesta matéria.
Pensamos que é importante regulamentar esta lei naquilo que diz respeito aos serviços de apoio à CADA, embora com grande atraso, porque, conforme já aqui foi lembrado, a lei é de 26 de Agosto de 1993, mas só agora é que se dá conteúdo à CADA, criando condições para o seu funcionamento, dotando-a de meios administrativos e financeiros.
Mas a questão que colocamos, partindo exactamente da preocupação que alguns grupos parlamentares aqui manifestaram, designadamente o PSD, é que a cultura da Administração é uma cultura de entrave e de obstaculização ao acesso dos dados por parte dos cidadãos que, por direito, lhes compete poder fiscalizar. Essa cultura não é uma cultura que possamos dizer ser da responsabilidade de um anónimo funcionário que tem uma cultura e um hábito de funcionamento burocrático ou de sigilo relativamente a matérias.
Também é bom lembrar que essa atitude de cerceamento de acesso aos dados é, ao mais alto nível, assumida pela maioria. Aliás, a forma como alguns requerimentos de Deputados da Assembleia da República são respondidos pelos gabinetes ministeriais são disso elucidativos exemplos.