3 DE FEVEREIRO DE 1995
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é a verdade sobre a droga, porque não é escondendo as verdades que se combate a droga. Há que publicar os números, informando onde, quando e como foi apreendida a droga. 15so não deve meter medo a ninguém, porque o tamanho, o volume deste problema é de tal ordem que é preciso que todas as famílias estejam perfeitamente conscientes daquilo que se está a passar.
Tal como disse aqui há pouco, moro em Campo de Ourique, pelo que sou vizinho do Casal Ventoso, e quando vou para casa passo por um posto onde se trocam seringas usadas por novas. Sr. Deputado, sabe quantas seringas é que são trocadas por dia naquele posto, que é conhecido por «Meia Laranja» e que fica ao pé da Igreja de Santo Condestável?
Nessa camioneta, os toxicodependentes trocam, à luz do dia, publicamente, fora das farmácias, entre 1500 e 2000 seringas por dia. Eles vão ao Casal Ventoso, ao tal «hipermercado de droga» de que falava o Sr. Deputado António Filipe, para depois passarem a droga para toda a cidade e para outros postos. Ao assistir a estes fenómenos tão visíveis, em que tropeçamos com jovens drogados, como arrumadores de carros, deu-me pena ver ontem...
0 Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr.Deputado
0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Repito: meteu-me pena ver ontem no Telejornal um saco com 5 000 contos em moedas de 100$, que é a moeda que damos aos arrumadores para arrumar o nosso carro e não o riscar ou partir os vidros. Por lOO$ compramos a segurança do vidro do nosso carro, que custa 15 contos. Quando chegamos a este ponto de ver com os nossos olhos sacos de 5 000 contos com moedas de 100$, que nós demos aos toxicodependentes, é porque há muita coisa que está mal. De facto, este é um dos gravíssimos flagelos da nossa sociedade que pode ser combatido. Ele não é a guerra de Satanás contra Deus, porque o que é preciso é maior coesão familiar, melhores escolas, melhor educação e, acima de tudo, maior amor às crianças.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje o projecto de lei n.º 480/VI, que cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes, bem como o projecto-lei n.º 479/VI, que cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga.
A toxicodependência é um dos problemas mais graves com que a sociedade portuguesa se confronta. Responsável por situações dramáticas, a toxicodependência destrói cada vez mais pessoas (em particular jovens), mais famílias e pode mesmo vir a pôr em causa os alicerces do próprio Estado de direito, com a rede criminosa que se organiza à volta da dependência da droga.
A quantidade de droga apreendida sobe assustadoramente todos os anos, preocupação que se acentu2 quando sabemos que a quantidade que é apreendida representa uma ínfima parte daquela que circula (entre 5 a 10 %).
Nas escolas vende-se droga às descaradas aos jovens e constata-se que estes iniciam hábitos de consumo cada vez mais cedo.
Mesmo nas prisões, onde era impensável que isso acontecesse, a droga passeia-se impunemente pelos corredores, chegando mesmo a criar novos toxicodependentes. 15to é, alguns jovens iniciam hábitos de consumo de droga nas próprias prisões.
Todos temos de dar a maior das atenções a este problema gravíssimo e dar resposta a importantes questões como as seguintes: como combater o tráfico de droga, como prevenir a toxicodependência, como tratar os toxicodependentes e apoiar a sua reinserção social.
0 combate ao tráfico está cheio de alçapões e ciladas! Quase tudo está por fazer nesta área, embora se registem apreensões de maiores quantidades, mas a droga, em Portugal e no mundo, continua a correr mais depressa que as polícias.
E, quando abordamos toda a problemática da toxicodependência, temos de falar obrigatoriamente da importância da prevenção primária, tão necessária e essencial, mesmo a nível da escola primária, onde esta acção é mais eficaz.
E sobre prevenção primária temos de afirmar, infelizmente, que é necessário fazer quase tudo, porque muito pouco está feito.
Quanto ao tratamento, algumas questões se levantam. 0 que temos é suficiente? E evidente que não! Necessitamos de mais estruturas, de mais meios humanos, técnicos e financeiros.
Apesar de o Alto Comissariado para o Projecto Vida e o próprio Primeiro-Ministro terem anunciado em Outubro a criação de centros de atendimento de toxicodependentes em todos os distritos do país até final de 1994, a verdade é que até ao momento esta promessa não foi cumprida e apenas os Centros das Taipas, de Coimbra e o da Cedofeita dispõem de internamento para desabituação.
E mesmo nos distritos onde existem centros estes estão subdimensionados em relação às necessidades, o que obriga muitos toxicodependentes, que procuram tratamento, a esperar semanas por uma consulta e, mesmo, por um internamento.
Os toxicodependentes têm também que esperar meses para serem internados em comunidades terapêuticas e, para estes internamentos, as famílias têm de pagar várias dezenas de contos por mês, dado que o Governo não aceitou pagar a totalidade dos custos, para além de não ter actualizado a sua comparticipação de acordo com a inflação. De referir ainda que o SPTT não vê o seu orçamento actualizado desde 1991.
E o que temos tem uma estrutura bem definida, articulada e bem coordenada? Pensamos que também não. Por isso é necessário intensificar a coordenação interministerial, sob a orientação do Ministério da Saúde, no qual deveria estar sediado o organismo encarregado dessa coordenação. Esta coordenação deve ser feita pelo fomento do diálogo, através da criação de consensos e não por um dirigismo centralizado e burocrático.
Assim, nós dizemos que é necessário criar uma rede de tratamento de toxicodependentes, que abranja todos os distritos do país e que possibilite as várias respostas terapêuticas necessárias, articulando o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência com os centros de saúde, os hospitais gerais, os hospitais psiquiátricos e as comunidades terapêuticas das IPSS.
Torna-se particularmente necessário criar também estruturas de apoio às mães toxicodependentes e seus filhos, estender os programas de substituição (metadona e LAAM) a todo o país e desenvolver os programas de reinserção social de toxicodependentes, que é, como sabemos, uma das grandes falhas no tratamento dos toxicodependentes em Portugal. Temos de ter a coragem de enfrentar este problema.
Ao Governo deve caber o importante papel de fiscalizar as instituições de tratamento de toxicodependentes,