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3 DE FEVEREIRO DE 1995

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Falar da droga e do seu consumo é falar do drama social que diariamente nos entra pelas portas adentro através dos meios de comunicação de massas, das nossas vivências e consciências sociais e, por vezes, da pior maneira: através daqueles que nos são próximos.
É hoje um dado adquirido que o consumo e tráfico de droga devem ser tratados com o respeito e a seriedade que o seu estatuto de «problema global» da humanidade reclama.
Trata-se de um problema cujas implicações e ramificações penetram o substrato do ente colectivo sociedade, tornando-o num caso singular de corrupção do bem-estar social, valor cuja promoção a Constituição coloca entre as tarefas fundamentais do Estado português.
Não podemos esquecer que precedemos gerações outras que de nós legitimamente reclamam medidas que, ao menos, minorem as consequências do flagelo, abrandando o ritmo da sua progressão geométrica.
Enquanto realidade de dimensão planetária, o tráfico de droga alimenta-se dos eventos políticos e económicos transnacionais, manipulando-os a seu favor. Assim, fenómenos ainda recentes, como o da abertura da Europa a Leste, tiveram o efeito incontornável de criar novos mercados e áreas produtivas de drogas no Leste Europeu e na Ásia Central, suportados pelo incomensurável poder económico e político das teias do narcotráfico; economias subdesenvolvidas, e outras em processo de reconversão à economia de mercado, financiam-se com branqueamento de capitais oriundos do tráfico de droga, inocentemente ajudadas pelas imposições das autoridades monetárias internacionais que para ali os empurram.
Não obstante, não é deslocado salientar que a estratégia internacional de combate à produção de droga, narcotráfico e branqueamento de capitais, de prevenção do consumo, de tratamento e reinserção social de toxicodependentes, baseada nas resoluções da. ONU, é recente e tem produzido bons resultados. E se não tem tido o sucesso pretendido, não pode tal efeito ser levado à conta de deficiente concepção mas, sim, à falta de ratificação por parte considerável dos Estados, à falta de implementação efectiva e, muitas vezes, à impotência da mesma em face dos interesses estabelecidos.
Independentemente de necessários desenvolvimentos e correcções, a questão que se põe aos Estados é 4 de aplicarem tais estratégias com efectiva vontade política quer internamente, quer numa perspectiva mais vasta de cooperação multilateral com outros Estados. A derradeira guerra trava-se aqui e não conhece fronteiras, raças ou. credos.
Também o Estado português tem travado unia luta sem quartel contra a proliferação do tráfico de estup2facientes e contra o aumento da toxicodependência. É de. salientar, neste âmbito, o protocolo de cooperação assinado no ano passado entre a Polícia Judiciária, a Polícia de, Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana e a Direcção-Geral das Alfândegas, visando a detecção e o combate ao tráfico de drogas.
Não desmerecendo a louvável acção que tais entidades têm levado a cabo, a realidade que se nos apresenta, porém, é a da escassez de meios, tanto mais grave quanto se sabe que, do outro lado, estão as mais recentes inovações tecnológicas e os recursos mais sofisticados, ou seja, tudo o que de melhor o dinheiro pode comprar
E a realidade dos números aí está a prová-lo. num período de 12 anos, compreendido entre 1980 e 1992, as apreensões de droga levadas a efeito pelas autoridades nacionais ascenderam a quase 62 000 toneladas. E o recrudescimento do fenómeno do tráfico e consumo de drogas é patente na comparação das quantidades apreendidas no início e no fim do período em análise: cerca de 816 toneladas em 1980 contra mais de 13,5 milhões de toneladas em 1992.
A punição do tráfico e consumo de droga é outra das vertentes do problema que traz, necessariamente, à colação o registo, sobejamente conhecido, da morosidade da justiça portuguesa. E aí, as críticas vão directamente para a política do Governo em matéria de justiça. Os dados oficiais mais recentes, reportados a 1992, são indicadores seguros do mau funcionamento do nosso sistema judiciário.
Cumpre aqui referir que, segundo estatísticas da Polícia Judiciária relativas a 1992, o conjunto das forças de segurança nacionais identificaram 6280 presumíveis infractores, entre traficantes, consumidores e outros.
No decurso daquele ano, apenas 1561 indivíduos foram acusados em processos relacionados com a droga - menos de 114, portanto, e com a agravante de, entre eles, preponderarem os identificados em anos anteriores, já que não é inédito que um processo deste tipo apenas conduza a acusação, volvido mais de 1 ano após a notícia do crime.
0 número de processos judiciais relacionados com a droga que findaram durante o ano de 1992, nos tribunais portugueses, situa-se ainda abaixo daquele primeiro valor: 1263 processos, ou seja, menos de 1/5 dos presumíveis infractores identificados só naquele ano.
Um debate desta natureza não pode deixar passar em claro uma outra vertente da questão, cuja actualidade é de certo modo premente, na medida em que já cruzou as nossas fronteiras: referimo-nos à despenalização ou legalização do consumo e consequente organização da venda de drogas.
É sem dúvida uma visão do problema que não deixa de merecer o nosso mais vivo repúdio
Em primeiro lugar, porque não está ainda demonstrado e tendencialmente nunca o será - que a despenalização do consumo de drogas possa contribuir para outra coisa que não o aumento do consumo e do número de toxicodependentes, dada a maior acessibilidade e o consumo de novos produtos.
Em segundo lugar. porque está marcada pelo labéu da impotência perante a amplitude do flagelo e da falta de meios para o combater.
Em terceiro lugar, porque a vida pressupõe a liberdade pessoa] e o toxicodependente não é dono de uma nem de outra.
Falar de droga é ainda falar das chamadas prevenção primária, secundária e terciária - é falar da profilaxia, do tratamento e da resinserção/reabilitação do toxicodependente.
A profilaxia ou prevenção primária da droga começa na procura de soluções de justiça social e desenvolvimento económico, na fruição da saúde, da cultura, do desporto e dos tempos livres.
0 papel primordial pertence aqui, mais uma vez, ao Estado, ao qual, constitucionalmente, incumbe incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração nomeadamente com as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural e outros agentes culturais, privados ou públicos.
Por inerência, cabe ao Governo, órgão de condução da política geral do País, concretizar tais deveres em medidas legais. Mas não só ao Governo
Não deixemos de lembrar que, em matéria de prevenção da toxicodependência, também as autarquias, as comunidades, as organizações não- governamentais e as instituições particulares de solidariedade social podem e devem promover atitudes e comportamentos que visem a qualida-