16 DE MARÇO DE 1995 1739
termitentemente, quer funções públicas, quer privadas com ela conexa, num carroussel de estatutos em que o interesse público e privado fazem um complexo teatro de sombras, por trás do qual está a mesma pessoa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vale a pena, a este título, referir que o projecto de lei de incompatibilidade de titulares de cargos políticos, que agora apresentamos, tem, por isso, a acrescida actualidade que os tempos lhe vêm dando, um pouco por todo o lado nas democracias ocidentais e visa evitar toda uma "osmose perversa entre a titularidade pessoal da administração e da gestão das empresas públicas e dos bens públicos e o exercício de funções de Governo em circuito simultâneo, alternativo ou sucessivo".
Assim, o projecto de lei de alteração da lei das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e alias cargos públicos, em resumo, visa: proibir, por um período de dois anos, aos membros do Governo da República e dos governos regionais o exercício de funções dirigentes em empresas públicas que tenha "tutelado"; vedar; por um período de um ano, o exercício de funções dirigentes em sociedades concessionárias de serviços públicos OU empresas privadas que tenha recebido incentivos financeiros ou fiscais em empresa sob a sua tutela; impedir, no prazo de um ano, o exercício de funções dirigentes executivas ou profissionais em pessoa colectiva de direito público no prazo de um ano; proibir, por outro lado, que o titular de cargo político despache, num prazo de dois anos, sobre assunto de empresa cuja direcção tenha participado directamente, de modo a evitar a parcialidade objectiva nas decisões; excluir os presidentes das câmaras e os vereadores a tempo inteiro do exercício de quaisquer outras actividades remuneradas; proibir aos presidentes das câmaras municipais o desempenho de funções remuneradas, nos dois anos seguintes ao fim do respectivo mandato, em empresas imobiliárias ou de promoção imobiliária com as quais os municípios tenham estabelecido relações contratuais relevantes; proibir, por um ano após a cessação de funções, o impedimento de contratação já em vigor e aplicável a empresas cujo titular de cargo político detenha percentagem de capital superior a 10 %; finalmente, retomar a ideia de que aos membros dos gabinetes dos ministros, secretários e subsecretários de Estado devem ser aplicadas as restrições que se propõem para governantes e autarcas;
Todas as referidas restrições, naturalmente, não prejudicam o regresso legítimo ao exercício de cargo a função profissional desempenhado à data da designação para o cargo político.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O estatuto das incompatibilidades é uma das vertentes objectivas do combate pela transparência e contra a corrupção e propõe-se erradicar, de modo consistente, o esbatimento das fronteiras legais e éticas e as facilidades de trânsito entre a condição de agentes privados e as funções de Estado. Como nos dizia o último relatório da Alta Autoridade Contra a Corrupção, de 1991, o relacionamento entre agentes privados e o Estado "não raro se traduzem numa verdadeira espiral de transferências de meios públicos para entidades privadas a que não é alheia a actuação concreta ide agentes públicos com capacidade decisória que assim se (ornam elementos dúplices e reféns da promiscuidade que propiciam".
Os casos do Centro Cultural de Belém, da EXPO 98 e agora, recentemente, da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva são disso exemplo, e referência paradigmática de situações de ausência de transparência dos concursos públicos e de controlo adequado na execução de obras públicas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como já o temos dito, repetidas vezes, o combate à corrupção não pode dissociar-se do terreno onde germina e das condições do funcionamento institucional que a acoberta. As sinuosidades e ocultações das decisões do poder político, a intercomunicação pessoal ou identificação entre agentes públicos e pessoas privadas, a criação de situações discriminatórias e casuísticas, a subversão das regras da liberdade na concorrência, o favorecimento partidário e clientelar de cargos públicos, são, entre outros, aspectos cuja superação são exigíveis num Estado de direito que se queira pessoa de bem e de honra.
Ora, o fenómeno da corrupção põe em causa a credibilidade do Estado, a sua particular natureza de pessoa de bem, a confiança que os cidadãos devem depositar no Estado de direito, no sistema democrático e nos seus representantes. O fenómeno de corrupção, enquanto perturbação perversa do exercício democrático, é uma questão política maior que atravessa o funcionamento do sistema de Governo, o sistema administrativo, económico e financeiro.
Assim, e com vista a dar um combate decisivo pela transparência da vida pública, favorecer a participação dos cidadãos e prosseguir a moralização da actividade política e o prestígio das instituições democráticas, o Partido Socialista considera necessário, como o confirmou a audição parlamentar recentemente realizada entre nós sobre a matéria: O aprofundamento das condições de acesso dos cidadãos às decisões e documentos da Administração, com vista a promover a participação dos cidadãos e evitar que a posse e a manipulação abusiva da informação e a cedência de informação reservada constituam fonte de fraude ou corrupção; a desburocratização, desregulamentação e simplificação das regras do funcionamento administrativo, a reformulação das regras dos concursos públicos, sistemas de adjudicação e fiscalização de obras públicas, no sentido da sua plena visibilidade, adequação, desburocratização e garantia de livre concorrência; a elaboração de um sistema nacional de ficheiros tendente a melhorar as informações dos compradores públicos e dos cidadãos sobre as empresas e respectivas participações e ligações entre empresas em domínios sensíveis (água, transportes, saneamento, etc. ); a consagração da inelegibilidade para o mandato imediato dos eleitos condenados por crime de corrupção, tráfico de influência, peculato ou favorecimento de negócio; a implantação de um sistema coerente e global de controlos da Administração Pública com reestruturação da Inspecção-Geral de Finanças e sua adequada articulação com os cargos inspectivos dos diversos ministérios e com os diversos controles internos das diversas organizações da máquina administrativa; o reforço dos poderes do Tribunal de Contas e o aperfeiçoamento do sistema de controle financeiro jurisdicional; a criação de auditorias independentes de avaliação das empreitadas públicas, loteamentos urbanos e fornecimento de serviços; uma adequada fiscalização e inspecção de execução das obras públicas; o reforço dos meios de utilização e fiscalização dos fundos estruturais, a reformulação do sistema de concessão de benefícios fiscais e de perdões fiscais; novas regras de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e sua fiscalização judicial eficaz; uma mais precisa definição de incompatibilidades dos membros do Governo, Deputados e autar-