8 DE ABRIL DE 1995 2097
Entretanto, o conflito ideológico Este-Oeste submeteu a rude prova o sistema das Nações Unidas, conduzindo à sua quase paralisação. Onde quer que um conflito eclodia os países ocidentais e a União Soviética ,assumiam quase sempre posições contraditórias, impedindo, através do exercício do direito de veto, sobretudo por parte da União Soviética, a maioria das intervenções passíveis.
Mas o colapso do comunismo e o fim da guerra fria abriram novo capítulo na história das Nações tinidas. O aumento incontrolado de conflitos e de crises locais que sucedeu ao imobilismo da guerra fria, o despertar dos nacionalismos conduzindo a confrontações por vezes extremamente sangrentas, os genocídios que se sucediam, todos os súbitos e inúmeros obstáculos surgidos à paz e ao desenvolvimento, obrigaram as Nações Unidas a intervir um pouco por toda a parte, quer em missões de mediação através da diplomacia preventiva, quer de manutenção de paz (peace-keeping), quer da promoção da paz (peace-building), envolvendo com frequência a imposição de sanções e o envio de forças armadas.
De todas estas actividades, a mais frequente é sem dúvida a de peace-keeping. Capacetes azuis de 76 países tem actuado na Europa (na ex-Jugoslávia), em África, na Asia, na América do Sul, através de soldados e polícias cujo número, em Dezembro de 1994, excedia, os 75 000, efectivos esses que sofreram várias vezes baixas no desempenho das suas missões.
Critica-se por vezes as Nações Unidas porque algumas dessas operações não correram da melhor maneira. É o que aconteceu, como já aqui foi dito, na Somália e na ex-Jugoslávia Queria dizer em todo o caso que em relação à Somália não considero que tenha sido um desastre total porque, graças a essa intervenção, e apesar de ela ter acabado mal, o certo é que houve dezenas de milhar de somalis que não morreram porque puderam sobreviver graças ao auxílio em mantimentos que as Nações Unidas puderam prodigalizar através da sua intervenção. Portanto, quando há uma intervenção que tem como consequência impedir a morte de dezenas de milhar de pessoas, essa intervenção não pode ser vista apenas como negativa.
A outra intervenção negativa foi na ex-Jugoslávia. Aí a responsabilidade é das Nações Unidas, sem dúvida nenhuma, mas é também da União Europeia. E digo que é das Nações Unidas antes de mais porque o Organismo que está encarregado de evitar guerras e de conseguir que elas terminem é as Nações Unidas, dado que não há mais nenhuma organização internacional com competência para fazer terminar uma guerra. As Nações Unidas não conseguiram fazer terminar a guerra na ex-Jugoslávia e aconteceu que morreram 200 000 pessoas porque não houve uma intervenção na altura própria.
O General De Gaulle costumava dizer que se tivesse havido uma intervenção oportuna de dois batalhões em Dantzig se tinha evitado a II Grande Guerra Mundial. Aqui, portanto, faltou uma vontade política para uma intervenção oportuna no momento oportuno. Recordo que há dois anos, antes de morrer, o General Woerner, secretário-geral da NATO, posto perante a questão de saber se a NATO não interviria e se poderia acabar com o conflito, respondeu, se me derem instruções acabo com o conflito rapidamente porque disponho de. forças suficientes para isso. A este respeito gostaria de citar um livro recente de André Glucksmann, chamado. De Gaulle: Ou es-tu? em que se diz a respeito da ex-Jugoslávia e do que lá fizeram as Nações Unidas: «La confusion des esprits marie allégrement l'aventure et la déission, comme l'indique la désolante equipée des casques blues en Bosnie, projetés à la va-vite et abandonnés en otage, tandis que la plus spectaculaire alliance (OTAN/ONU)..»
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe fazer-lhe esta observação, mas, se puder, traduza para o português.
O Orador: - Posso traduzir para português, mas
O Sr. Presidente: - Ou, então, dispense a leitura e forneça aos serviços o texto em francês, com a respectiva tradução, para que conste do Diário.
O Orador: - Eu leio em português, Sr. Presidente.
Diz o texto: «A confusão dos espíritos alia, alegremente, a aventura e a demissão, como indica a desolante aventura dos capacetes azuis na Bósnia, para ali atirados de qualquer maneira e abandonados como reféns, enquanto a mais espectacular aliança militar da História mundial (OTAN/ONU), está submetida à chantagem das milícias da Grande Sérvia.»
Portanto, actualmente, a maior aliança militar do mundo é a da ONU/OTAN, que não conseguiu evitar os 200 000 mortos na ex-Jugoslávia.
Este foi, realmente, um aspecto mais negativo do que positivo da intervenção das Nações Unidas na Bósnia.
Em todo o caso, graças às críticas que se fizeram nas Nações Unidas, foi possível que acordos e conflitos que se eternizavam durante a guerra fria. como aconteceu na Namíbia, no Camboja, em El Salvador, em Moçambique, no Haiti, e como está prestes a suceder em Angola, terminassem. Isso deve-se às Nações Unidas.
A ONU continua, portanto, a desempenhar, o melhor que pode, o papel que lhe foi atribuído na Carta, manter a paz e a segurança internacionais.
A sua função é insubstituível, apesar das deficiências que, por vezes, se notam. Sem a ONU muito mais gente teria morrido, muitos mais problemas, sobretudo à escala mundial, continuariam insolúveis. Como também e insubstituível a acção das Nações Unidas nos campos do desenvolvimento social e económico, da protecção do ambiente e da promoção dos Direitos Humanos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao celebrar-se os 50 anos das Nações Unidas é altura de reflectir na actualização da Carta, não só relativamente às estruturas, mas também na sua operacionalidade, de modo a tentar diagnosticar algumas das suas actuais fragilidades ou omissões e, a partir daí, avançar com algumas pistas para possíveis soluções.
A primeira crítica a fazer à Carta é o facto, como já se disse, de ter sido concebida para uma época e para condicionalismos que estão hoje totalmente ultrapassados É absurdo que países como o Japão, a Alemanha e também o Brasil - como referiu o Ministro dos Negócios Estrangeiros Durão Barroso na última Assembleia das Nações Unidas, quando propôs que o Brasil passasse a fazer parte também do Conselho de Segurança -, cuja importância internacional é óbvia, não façam parte do número dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Portanto, esta era, realmente, uma actualização que se impunha.
Por outro lado, tendo a União Europeia uma política externa própria, nos termos do Tratado de Maastricht, tendo já os Estados membros, nos termos do artigo J.5 do Tratado, a obrigação de defender, no Conselho de Segurança, as posições e os interesses da União, parece também justificar-se que, num futuro previsível - não será para amanhã, porque haverá que resolver muitos proble-