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mas diplomáticos -, a União Europeia passe a fazer parte também do número dos membros permanentes do Conselho de Segurança, em substituição da França e da Inglaterra, porque é neste sentido que a União Europeia evolui.
Quanto ao sistema de veto nas decisões do Conselho de Segurança, que tão gravemente tem afectado a operacionalidade da organização, haveria também vantagem em ser substituído por um sistema mais funcional que permita deliberações tomadas por maioria qualificada.
Será também necessário que a estrutura jurídica da ONU passe a reflectir a grande transformação que, desde a fundação das Nações Unidas, se verificou no Mundo: a ascensão à independência das antigas colónias - em 1956 os Estados membros eram 77, actualmente são cerca de 200, e isto deverá, obviamente, reflectir-se na estrutura da organização.
Este objectivo poderia ser atingido, como propôs o Ministro dos Negócios Estrangeiros Durão Barroso, através do aumento do número de membros permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança, estes últimos à razão de um membro por região. E, neste aspecto, conviria recordar que Portugal é candidato a membro do Conselho de Segurança para o biénio 1997/1999.
O Capítulo VII da Carta, que trata dos procedimentos em caso de ameaça à paz, violação da paz e actos de agressão e que prevê os diferentes tipos de actuação possíveis para as Nações Unidas nesses casos, incluindo a intervenção armada, deverá também ser reformulado de acordo com as necessidades e ideias dos tempos modernos. Como se sabe, as Nações Unidas têm intervindo por vezes através de forças armadas, em caso de genocídio ou outras calamidades (no norte do Iraque em 1990, na Somália, no Ruanda, na Bósnia, etc.). Estas intervenções foram feitas ao abrigo do chamado direito - ou, melhor, do dever - de ingerência humanitária.
Este direito abre uma importante brecha no princípio da soberania, consagrado no n.º 7 do artigo 2.º da Carta, segundo o qual a ingerência em assuntos internos dos Estados é proibida.
Mas, actualmente, já não pode aceitar-se um conceito de soberania absoluta, sem limites.
Como escreveu Boutros Ghali, «há uma necessidade intelectual dos nossos tempos de repensar a questão da soberania, não para enfraquecer a sua essência, que é crucial para a segurança e cooperação internacionais, mas para reconhecer que pode tomar mais do que uma forma e prosseguir mais do que uma função. Sublinhar os direitos do indivíduo e os direitos dos povos representa uma dimensão da soberania universal que reside em toda a humanidade e atribui a todos os povos legitimidade para se envolverem em assuntos que afectam o mundo na sua globalidade».
Estes limites à soberania são conhecidos da teoria dos Direitos Humanos, que são, essencialmente, direitos dos homens e das mulheres, tão fundamentais que se sobrepõem à soberania dos Estados.
Por outras palavras, os Estados membros das Nações Unidas, ao assinarem a Carta, comprometem-se perante a comunidade internacional a respeitarem os Direitos Humanos nos seus territórios, daí resultando que o princípio da não ingerência deverá, em caso de violação desses direitos, ceder perante o dever humanitário de socorrer pessoas em perigo eminente.
Esta vocação internacionalista dos Direitos Humanos tem sido periodicamente posta em causa, sobretudo pelo países totalitários, mas tem-se mantido e foi reafirmada ainda recentemente na Conferência de Viena de 1993.
O dever de ingerência humanitário deverá, portanto, ser incluído e definido, na minha opinião, na Carta, no seu Capítulo VII.
Um outro fenómeno dos nossos tempos, a que já aqui foi feita referência, é a emergência da sociedade civil em todos os sectores - da política, da cultura, da economia, do ambiente, dos Direitos Humanos. Este fenómeno sente-se não só dentro de cada Estado mas também no campo internacional. Enquanto que durante a guerra fria os Estados eram quase que as únicas entidades relevantes no campo internacional, actualmente há que contar também com as organizações não governamentais, organismos regionais e outras formas associativas, que, por vezes, ultrapassam fronteiras e que, vigorosamente, exigem certas condutas por parte dos Estados, interna e internacionalmente.
Eu penso que, por exemplo, em relação a massacres, a violações maciças dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional tem, com certeza, a possibilidade de poder alertar mais rapidamente as Nações Unidas do que o Estado onde isso está a acontecer, já que este poderá mesmo ter interesse em que não se saiba o que nele se passa.
Por isso, a Carta, na minha opinião, devia prever uma nova figura, a do direito de petição, através da qual as ONG possam alertar o Conselho de Segurança para situações em que, eventualmente, se justificará a sua intervenção.
E passo agora a uma outra sugestão, que é a dos tribunais para crimes de guerra. Na verdade, o horror provocado pelos crimes praticados, sobretudo pelos sérvios, no desenvolvimento da sua política de limpeza étnica na ex-Jugoslávia, bem como o genocídio ocorrido no Ruanda, no ano passado, levaram as Nações Unidas a constituir tribunais especiais para o julgamento desses crimes. Um desses tribunais é o de Haia, que, neste momento, está já a funcionar, que já fez acusações formais contra vinte e tal arguidos e que, portanto, é já uma conquista positiva neste aspecto.
Pôs-se a questão, quando se levantou o problema da constituição destes tribunais, de saber se seria possível conseguir resultados concretos. E, provavelmente, não será. Quer dizer, é possível que estes vinte e tal homens, que estão, neste momento, acusados pelo Tribunal de Haia, mesmo depois de julgados não sejam presos, porque estão, designadamente, na Sérvia.
No entanto, considerou-se que o simples facto de os seus nomes serem citados, de as suas fotografias aparecerem na imprensa, de não poderem sair do país onde estão porque se arriscam a ser presos, é razão suficiente para vencer esse inconveniente e para avançar com tribunais para o julgamento de criminosos de guerra.
Em Kigali está também em funcionamento, neste momento, um tribunal para o julgamento de crimes de guerra, mas, segundo as últimas notícias que chegaram, não se encontra a funcionar em termos adequados por falta de juízes e porque se debate com imensas confusões.
Seja como for, mesmo que as coisas não corram bem em Kigali, a verdade é que o conceito de que os criminosos de guerra devem ser julgados tem um efeito dissuasor, que pode ser extremamente importante para o futuro. Por isso, a sugestão que faço é que os tribunais para os julgamentos de crimes de guerra não sejam organizados ad hoc, como tem ocorrido até agora - um para o Ruanda, outro para a ex-Jugoslávia -, mas antes institucionalizados na própria Carta das Nações Unidas, a seguir ao Tribunal Internacional de Justiça.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, como observa Boutros Ghali, «existe um geral reconhecimento de que os Esta-