2094 I SÉRIE-NÚMERO 62
cultura. Referiu Platão e é provável que seja esse síndrome, que nos acompanha ainda, o que tem impedido a sociedade de evoluir sabiamente. Trata-se de um grande princípio de desenvolvimento social, que aqui lembrou em particular, e quero cumprimentá-la por o ter feito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques da Costa.
O Sr. Marques da Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não posso deixar de iniciar esta minha intervenção com uma saudação muito especial pela iniciativa de agendamento deste debate tomada pelo Sr. Presidente.
Creio que os temas que nos trazem aqui hoje são temas que estão na agenda do que vai ser a evolução do futuro da humanidade no milénio que se avizinha e, por isso, vale a pena a Assembleia da República marcar presença neste debate e marcá-la com continuidade. Deixo por isso a V. Ex.ª um primeiro apelo para que esta louvável iniciativa se possa prolongar no futuro, com ritmo de trabalho, de presença e de acompanhamento do desenvolvimento destes temas.
Não pode também o Governo dispensar-se de participar neste debate, e valerá a pena procurar no futuro as formas em que essa articulação com a Assembleia se deve fazer, no aprofundamento destas matérias. Creio que esta é matéria que interessa a todos os órgãos de soberania, a todos os políticos e aos portugueses em geral.
Permiti-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, procurar um ângulo talvez um pouco diferente da abordagem desta problemática, dado que, sabendo da lista de intervenções, deduzi que aqueles que me precederam esgotariam necessariamente o tema.
Será difícil não associar a questão da Cimeira de Copenhaga e o problema da Agenda para a Paz à reflexão sobre a própria reforma das Nações Unidas, que está também na ordem do dia, sobretudo neste ciclo comemorativista dos 50 anos da sua fundação. Creio que se pode dizer, sem sombra de dúvidas, que as Nações Unidas, passados 50 anos, mantêm válidos os princípios que a criaram há meio século atrás. Mas também não erraremos se apontarmos algum desfasamento provocado pela nova realidade geopolítica e geo-estratégica, que resulta necessariamente da última década de transformações nos sistemas económicos e nos blocos político-militares. Acho, por isso, necessária uma mudança. Ou talvez, para pegar nas palavras do Sr. Deputado Adriano Moreira, um reolhar para os princípios fundadores das Nações Unidas.
E começaria por tentar estabelecer uma ordem de prioridades, dado que o universo de reflexão é, necessariamente, vasto.
Entendo que, do ponto de vista político e metodológico, a discussão essencial deve convergir sobre o centro do sistema das Nações Unidas, ou seja, sobre a reforma dos próprios órgãos das Nações Unidas e depois, eventualmente, alargar esse debate à discussão e ao processo de reforma dos organismos especializados que careçam também dessas transformações.
Partindo desta metodologia, talvez o primeiro vector sobre o qual importa reflectir tenha de ser o próprio conceito de segurança internacional, que circunstâncias conhecidas de todos, naturalmente, tiveram, durante os últimos 50 anos, mais centrado em critérios de natureza estritamente militar, fruto da tensão entre dois blocos em presença. Ora, aquilo que, agora, parece importante será fazer evoluir decisivamente esse conceito anterior para um outro mais amplo que considere hoje, como pilares essenciais, o problema da paz e do desenvolvimento como vectores de uma nova filosofia de actuação Introduzir o problema do desenvolvimento como condição da segurança internacional é uma reforma imprescindível da doutrina que tem estado vigente até hoje.
Acho, por isso, importante que as próprias funções do Conselho de Segurança devam ser alargadas para compreender prevenção e actuação sobre áreas sociais e económicas críticas, focos de possíveis conflitos, de acordo com essa nova concepção de segurança. E não sei se não deveria mesmo decorrer daqui alguma reflexão, entre nós, sobre a necessidade, pelo menos na actuação, de desdobramento do Conselho de Segurança num órgão para assuntos de segurança política e noutro para assuntos do desenvolvimento e da defesa dos Direitos Humanos. Creio que essa é uma matéria que não deixará de ser interessante na nossa reflexão futura.
Naturalmente, outra das reformas necessárias é aquela que decorre da necessidade de encerrar o contencioso deixado pela II Guerra Mundial e reconhecer a nova inserção internacional e a indiscutível importância económica e mundial dos dois grandes derrotados dessa guerra - a Alemanha e o Japão. A reforma das Nações Unidas tem de passar, necessariamente, pelo encerrar da herança da II Guerra Mundial. Não creio que seja saudável esquecer a História mas, pior do que a esquecer, é querer ignorar a sua própria evolução. Hoje, a Alemanha e o Japão devem ter assento próprio no Conselho de Segurança e creio que Portugal deve ter, sobre isso, uma posição clara e inequívoca.
No que respeita à reforma da própria composição do Conselho de Segurança, para além do alargamento que já referi, dever-se-á defender - e já o foi - que a reforma tenha como propósito garantir que nele estará sempre representado um país de língua oficial portuguesa. Creio que a importância mundial da língua portuguesa e a diversidade dos países em que ela se expressa, aconselha a que essa política seja defendida por Portugal.
Coerente com o desenvolvimento de uma concepção preventiva dos conflitos, será talvez importante reforçar o dispositivo do artigo 99.º da Carta, ou seja, aquele que confere ao Secretário Geral a possibilidade de chamar a atenção «do Conselho de Segurança para qualquer assunto que, em sua opinião, possa ameaçar a manutenção da paz e da segurança internacionais», reforçando assim, o papel de intervenção do próprio Secretário Geral. Igualmente importante parece ser a necessidade de reforçar o papel do Secretário Geral quanto à coordenação das diversas operações de manutenção da paz. sobretudo na sua coordenação política, obviando assim à evidente falta de unidade de comando que se tem manifestado nalgumas missões dos «capacetes azuis».
Mas é importante ter uma visão mais ampla do futuro papel internacional das Nações Unidas, não o confiando apenas aos seus aspectos de segurança, mesmo se entendidos numa nova óptica. É necessário propor que os organismos especializados alarguem as suas actividades e que incluam a promoção dos direitos do Homem, o desenvolvimento económico e social dos países carenciados, o reforço do diálogo Norte/Sul, a gestão dos problemas ambientais e demográficos e a democracia partidária - que aqui também foi amplamente citada - na sua agenda permanente.
Nesse sentido de preocupações, creio que deverá também ser revisto o próprio funcionamento das principais agências de desenvolvimento e, sobretudo, deve ser re-interpretado, à luz das novas concepções, o modelo de