2092 I SÉRIE-NÚMERO 62
manas. É assim que não podemos permitir que o desuno das gerações futuras fique comprometido ao contrairmos dívidas financeiras, sociais, demográficas ou ecológicas que não teremos possibilidades de reembolsar. Compete a todos, actuais habitantes do planeta, saber utilizar as instituições, as ideias e os ideais tão duramente adquiridos e que herdámos dos nossos antecessores pois, infelizmente, o progresso não é inerente à condição humana e um retrocesso não é de excluir. Para permitir à comunidade humana avançar devemos mostrar-nos respeitosos em relação ao que nos foi legado e conscientes de que o progresso deve ser acessível a todos. Temos o dever de transmitir às gerações futuras não um mundo em ruínas mas um mundo em desenvolvimento.»
Eu diria que a síntese desta atitude pode exprimir-se num conceito muito simples: não podemos alhear-nos dessa responsabilidade, porque o futuro já está entre nós.
Penso que a intervenção da Assembleia da República e um bom contributo para assumir o imperativo que resulta do facto de que o futuro já está entre nós.
(O Orador reviu).
Aplausos do CDS-PP, do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Moreira, muito obrigado pela reflexão que expôs diante da Câmara, por acentuar de forma brilhante, como é seu hábito, que o que se passa no mundo é um retorno às Nações Unidas. No fundo, pegando naquela ideia, que já aqui foi avançada por outro Sr. Deputado, de que é preciso rever o sistema de relações políticas globais, onde a filosofia do hegemonismo tem de sair do podium. É uma belíssima reflexão nesse sentido. Muito obrigado, em nome da Câmara.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.
A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, permita-me que comece por saudar V. Ex.ª pela magnífica iniciativa do agendamento que, hoje, aqui nos convoca.
Naturalmente, é-me particularmente difícil tomar a palavra depois dos ilustríssimos oradores que me antecederam - e a todos felicito -, designadamente sobre a matéria da Cimeira de Copenhaga, de que me ocuparei. E não me levarão a mal que, de todos, e por uma específica intencionalidade política, destaque a intervenção notável proferida pela Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes. Ela representou Portugal a muito alto nível nesta Cimeira, foi oradora, foi moderadora de um debate e trouxe-nos aqui, hoje - aliás, na esteira da sua intervenção, procurarei dizer também alguma coisa, seguramente de uma forma muito mais modesta -, a voz da preocupação que a Cimeira reflectiu sobre a questão das mulheres, da sua condição cívica e da sua participação política.
Não estive presente na Cimeira de Copenhaga e, por isso, o desafio de intervir é, também, um desafio acrescentado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Colocada perante a incumbência de evocar neste debate a referida Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Social, realizada no passado mês de Março, interroguei-me, como me interrogo neste momento, sobre o objecto de uma intervenção parlamentar como esta, neste domínio, sobre o objecto da intervenção que me compete fazer hoje, aqui.
É que entendo que seria frouxo, e julgo que seria também mal, trazer o tema da Cimeira em jeito de menção honrosa por certo merecida, beneplácito do Parlamento português e, neste caso, do meu partido, também por certo justo, a um evento mundial, francamente de boa memória, marcado não só por excelentes intenções como por propostas de concretizações meritórias.
E inquestionável que a Cimeira merece ser sublinhada pelo que já significou. Mas não me parece que a honre grandemente fazer um enunciado descritivo, de índole tecnocrática, a seu propósito. Ela - a Cimeira - merece ser tratada como coisa política de corpo inteiro que foi e é, porque seriamente políticas serão as suas implicações caso, como se espera, venha a ter real eficácia.
Que se fez em Copenhaga! Qualquer coisa de pioneiro, nem mais nem menos. A lógica de Copenhaga é diversa da lógica dos encontros entre Estados para definição de princípios e estratégias relativos a espaços culturais e económicos, como é o caso óbvio da União Europeia. É também uma lógica diferente daquela que, noutras ocasiões, permitiu que se enunciassem princípios gerais ou incidentes sobre temas sectoriais, em cimeiras das Nações Unidas, também elas de âmbito mundial.
A lógica de Copenhaga, repito, foi outra. As suas conclusões assentam no pressuposto de que deverão vigorar modelos precisos de intervenção do Estado e de participação dos cidadãos em domínios tão vastos como a saúde, a segurança social, o emprego, o ambiente, a segurança pública, os direitos humanos e a igualdade de oportunidades.
Ao fim e ao cabo, tratou-se e trata-se de, em nome da dignidade das pessoas e do reconhecimento do direito fundamental ao desenvolvimento - esse grande convidado, debaixo e em cima da mesa de Copenhaga -, exigir dos Estados a assunção de funções e o reconhecimento da importância de os cidadãos participarem - mormente através de organizações não governamentais - na estruturação de políticas que cumpram finalidades prioritárias. Erradicar a pobreza e a exclusão, promover a educação, a formação profissional e desenvolver a economia, construir modelos de efectivação da igualdade de oportunidades são agora fins últimos das sociedades, assumidos pelos 165 Estados e pelas cerca de 2000 organizações não governamentais presentes, e fins assumidos para além dos seus modelos ideológicos - que eram muitos -, ideais políticos ou estratégias de desenvolvimento e de bem-estar.
A lógica de Copenhaga é, assim, a lógica do primado de certas funções essenciais do Estado e do reconhecimento da participação pessoal e colectiva como missão, independentemente de ideologias, que o mesmo é dizer, pondo de parte as quimeras dos amanhãs que porventura cantem ou as sacralizações de um mercado entregue a uma sorte que não nos encarregaremos de condicionar. A lógica de Copenhaga é a do estabelecimento de um coeficiente de consenso político e económico a nível mundial muito mais amplo do que as maiores ousadias que até então se haviam atrevido a admitir.
É por isto que não ouso - por minha parte modesta - hoje admitir que o debate sobre a Cimeira de Copenhaga nos deva convocar, desde já, enquanto parlamentares, em direcções pequenas; ouso, isso sim, dizer que deve haver múltiplas direcções de reflexão política E delas sublinharei três aspectos, neste curto tempo que me atribuís.
Em primeiro lugar, o enquadramento económico e social das políticas de desenvolvimento; em segundo lugar, as implicações na estrutura política que lhe poderá servir de moldura; em terceiro lugar, a atenção central ao factor humano e, muito concretamente, às diferenças entre as pessoas em função do género - entre homens e mulhe-