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8 DE JUNHO DE 1995 2717

portuguesa foi já aqui abordada, limitar-me-ei à questão da cooperação em termos conceituais, face aos grandes;, princípios, ou seja, em termos mundiais. i
Ao fazê-lo, quero acentuar a tónica de que a cooperação assenta basicamente em realidades de ordem política, social e também - talvez sobretudo - de ordem ética. Nesse aspecto, gostaria de chamar em meu auxílio o que Francisco Sá Carneiro afirmou há 15 anos sobre a necessidade da cooperação - e cito: «As nações democráticas não podem observar a pobreza e a fome dos países do Terceiro Mundo sem se sentirem obrigadas a tomar medidas de ordem prática. Têm de pôr de lado o comodismo que por toda a parte do mundo industrializado se vai instalando para se lançarem num combate criativo e ousado à miséria e à fome que ainda hoje dominam, infelizmente, o mundo.»
Com esta introdução, a primeira questão a formular é: Porquê a cooperação? Por que é que há necessidade de cooperação?
A resposta é conhecida: porque no mundo, para além dos países ricos ou remediados, coexistem países pobres e países paupérrimos, em que homens, mulheres e crianças morrem aos milhões, de fome, de doença, de inanição, de falta dos mais elementares cuidados de higiene.
Alguns números ajudam a compreender a extrema gravidade do problema: há actualmente no mundo 5,5; biliões de homens e mulheres, mais de 1/3 dos quais Vive em estado de pobreza relativa ou absoluta, em que ÁS pessoas não têm que comer; há cerca de 1,2 biliões dei pessoas sofrendo das mais elementares deficiências alimentares e de 13 a 18 milhões de pessoas morrem por ano, de fome e de doenças ligadas à pobreza que podiam ser jaivitadas; 40 000 crianças morrem por dia, de fome ou de carências de todos os géneros; os 20 % mais pobres da população do mundo têm um rendimento 150 vezes inferior aos 20 % mais ricos.
Estas cruéis realidades dos nossos tempos traduzem uma profunda injustiça social à qual ninguém poderá ficar insensível - foi neste sentido o meu apelo a Francisco Sá Carneiro. Por isso, por razões que são, antes de mais, de ordem ética, há que, a nível mundial, mobilizar as vontades políticas para atacar este fenómeno, que é talvez o mais grave da actualidade e promete vir a ser à principal preocupação política do início do próximo século.
Precisamente porque o ataque ao subdesenvolvimento resulta, antes de mais, de considerações de ordem ética, de há muito que ele passou para o campo dos direitos humanos. Por isso, a Declaração Universal dos Direitos do Homem reconheceu, para todos os homens» f de todas as latitudes - e não só os do Norte -, a par dos direitos civis e políticos, os direitos económicos, sociais e culturais, designadamente o direito à segurança social, ao trabalho, à saúde, ao repouso e aos lazeres, à educação e à cultura, etc., direitos esses que Thomas Jefferson sintetizou na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América do Norte na fórmula lapidar do «direito à vida, à liberdade e à felicidade».
Afinando estes conceitos, no que respeita às profundas injustiças da actualidade acima referidas, a declaração de Viena, proferida no final da Conferência Mundial dos Direitos Humanos, de Junho de 1993, logo no parágrafo 7 bis, declarou que «o alívio imediato e a eliminação final da pobreza extrema existente no mundo, que. impede o efectivo e completo gozo dos direitos humanos, deve manter-se como uma alta prioridade para a comunidade internacional», razão porque esta Declaração, no seu parágrafo 6, afirma que «o direito ao desenvolvimento é um direito universal inalienável e uma parte integrante e fundamental dos direitos humanos».
Reafirmando a ligação indissociável entre desenvolvimento e cooperação, a Declaração de Viena, no parágrafo 6, dispõe que «os Estados deverão cooperar entre eles, de modo a assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao mesmo», assegurando ainda que «a comunidade internacional deverá promover uma cooperação efectiva para a realização do direito ao desenvolvimento, através de políticas que permitam relações económicas justas e um ambiente económico favorável, a nível internacional». Isto foi subscrito por todos os países do mundo, aquando dessa conferência.
O reconhecimento internacional das profundas injustiças e carências acima referidas conduziu, portanto, ao reconhecimento de um direito fundamental: o direito ao desenvolvimento. Porém, como quase sempre acontece no campo dos direitos humanos, a dificuldade reside na concretização dos direitos reconhecidos. Como assegurar esse desenvolvimento, que, no mínimo, se deve traduzir na eliminação da pobreza extrema, a qual, como se refere no Relatório da Organização Mundial de Saúde, de 1995, é a principal causa da morte no Mundo? Em termos internacionais, a resposta é a que foi dada na Declaração de Viena: através da cooperação.
Desde o célebre Relatório de Willy Brandi sobre a pobreza no mundo, que teve grande repercussão nos anos 60, em vão se tem tentado lançar em termos objectivos o diálogo Norte-Sul, cujo objectivo e a eliminação dessas injustiças através da cooperação.
Logo em 1962, na Conferência sobre o Desenvolvimento Económico, no Cairo, os países não-alinhados tentaram estabelecer as bases desse diálogo, organizando a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU, que se reuniu pela primeira vez em Genebra, em 1964.
A CNUCED pretendia concretizar o anseio dos países em vias de desenvolvimento de instituir um novo sistema comercial internacional, fundado na ideia de que o Sul tem direito a uma «reparação global», em virtude de o desenvolvimento dos países ricos ter sido obtido à custa do seu subdesenvolvimento, resultante da exploração intensa dos recursos das nações da periferia.
Havia, portanto, segundo a tese que se defendia, que modificar a lógica de ferro da exploração do Terceiro Mundo, instituindo as bases de uma nova ordem económica internacional. Dentro deste espírito, a chamada Carta de Argel definiu, em 1967, um «programa de acção», consubstanciando, em termos globais, as propostas que, na Conferência de Lusaka de 1970, foram assim definidas: acções no domínio dos produtos de base, prevendo preços justos e equitativos para os produtores; livre acesso aos mercados; ajustamento das estruturas de produção, ajudas sem contrapartida; transferências de recursos financeiros.
O certo, porém, é que todas estas iniciativas e outras que, entretanto, se processaram, como o Primeiro Decénio das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Declaração e Programa de Acção, adoptado em 1974, para o lançamento de uma nova ordem económica internacional, sobretudo porque fundadas em dogmas, num ultra-radicalismo terceiro-mundista, numa lógica de «tudo ou nada», não conseguiram obter a adesão dos países desenvolvidos, que são quem, no campo das realidades, tem de tomar decisões e promover o esforço financeiro necessário à sua concretização.