2722 I SÉRIE - NÚMERO 85
cia. E demonstrarão fraqueza de memória os que julguem que são os últimos meses desta última sessão legislativa que a ela vão ficar associados. Há um longo caminho trilhado antes da última curva. Muitas vozes se ergueram antes das últimas que se reuniram ao coro. Para chegar ao ponto em que nos encontramos, já foi preciso vencer muita dificuldade, muita resistência, muita dilação e muita rejeição. E, porque não dizê-lo, defrontar muitos interesses instalados em muitas áreas.
Desde a primeira hora da primeira sessão legislativa da presente legislatura colocámos esta matéria como um dos pontos - certamente não o único mas um dos pontos incontornáveis - da agenda de reforma política e institucional, reconhecendo liminarmente que «a confiança dos eleitores no sistema representativo e a qualidade do seu funcionamento são hoje função das condições de transparência e de avaliação pública que as suas instituições assegurem». Cito o projecto de lei n.º 54/VI, que a história parlamentar registará como o primeiro a propor entre nós, à semelhança doutras democracias, a criação de um registo de interesses, consultável sem restrições por qualquer cidadão, e até objecto de uma publicação parlamentar periódica.
A essa inovação institucional considerámos essencial que se juntassem duas outras reformas que também logo projectámos e propusemos: uma, o livre acesso do público e da comunicação social às declarações de rendimentos e patrimónios dos titulares de cargos políticos, sem restrições, cominações ou penalizações específicas para a sua divulgação; a outra, o livre acesso do público e da comunicação social ao conteúdo das declarações de IRS dos titulares de cargos políticos, na parte a eles respeitante.
Estas soluções só não estão há já três anos consagradas no ordenamento jurídico do País porque o PSD, da presidência do Professor Cavaco Silva, e a maioria parlamentar, da presidência do Sr. Deputado Duarte Lima e do Sr. Deputado Pacheco Pereira se lhe opuseram: porque as não queriam; porque era preciso esperar por uma «reforma global»; porque era preciso antes um estudo aprofundado e um livro branco; porque, atrás de uma cedência à opinião pública, outra e outra insuportavelmente se seguiriam no que, nesta Tribuna, foi chamada uma never ending story, porque era preciso antes um grande debate nacional; porque era preciso que todos os cidadãos dessem primeiro o exemplo para que aos titulares dos cargos políticos pudessem ser criados novos deveres; porque era preciso, enfim, esperar pelas próximas eleições e pelos próximos Deputados!
O ex-presidente da bancada do PSD, Sr. Deputado Duarte Lima, depois de aqui ter dito o que disse destas reformas e dos seus defensores - que chegou a apodar de cavaleiros andantes da ética - já encontrou razões para dar o seu contributo positivo, declarando-se «arrependido». Do Sr. Deputado Pacheco Pereira já proveio o reconhecimento - que acabou por prevalecer sobre pontos de vista diferentes que, na sua bancada, ouvimos defender- de que também era agora indispensável voltar a mexer nas regras sobre por financiamento dos partidos, por não serem as actuais suficientemente exigentes. Só do ex-Presidente do PSD e ainda Primeiro-Ministro a última declaração substantiva e séria que conhecemos é ainda a de que não via condições para legislar sobre esta matéria antes do fim da legislatura. Desejamos que venha a ter motivo sério para se desvincular desta afirmação e esperamos que as votações de hoje possam contrariar o seu prognóstico, aliás, não reservado.
Foi ponto assente nas nossas iniciativas parlamentares ao longo desta legislatura que os objectivos de transparência, avaliação pública, efectividade dos controlos e delimitação entre interesse público e privado no desempenho de cargos políticos e altos cargos públicos, a que quisemos orientar essas iniciativas, têm implicações não só no domínio das incompatibilidades acumulações, impedimentos e conflitos de interesses, que dizem respeito aos homens, como também no domínio das regras de financiamento da actividade política, que dizem respeito tanto aos homens como às organizações partidárias.
Para significar todo o seu relevo para a reposição da confiança pública, quisemos dar um específico registo constitucional às propostas que apresentámos nesta matéria. Para nós, a transparência é um pilar essencial de um compromisso constitucional à altura das exigências do que o nosso tempo propõe à actividade pública, seja no plano nacional seja no plano europeu. Por isso, não por acaso, no projecto de revisão constitucional que apresentámos na última sessão legislativa, não só propusemos que os titulares de cargos políticos ficassem constitucionalmente obrigados a tornar público o seu património, os seus rendimentos e os seus interesses, como propusemos também que os partidos políticos ficassem constitucionalmente vinculados a tornar público o seu património e a origem e afectação dos seus recursos. A maioria que viria a interromper o processo de revisão não nos seguiu nestas propostas. Mas mantemos intacto o compromisso e também aqui esperamos que nos venham a acompanhar.
No termo desta legislatura, na hora de avançar para decisões, alguma coisa já mudou. Alguns ainda se opõem; e certos ousam dizer o que outros apenas ousam pensar. Mas somos mais a reconhecer hoje que as regras que têm vigorado - e que repetidas votações maioritárias ao longo desta legislatura têm feito sobreviver - não são suficientes para pôr cobro à promiscuidade entre a política e os negócios; para pôr cobro a uma situação em que o tráfico de influência se tem podido desenvolver sem obstáculos sérios, para pôr cobro à confusão entre os que são sérios e os que não sejam.
As ideias fazem o seu caminho e os homens passam, mesmo no tempo breve de uma legislatura. O Professor Cavaco Silva já não é o Presidente do PSD. Os Srs. Deputados Duarte Lima e Pacheco Pereira, hélas, já não são os líderes parlamentares da maioria. Os seus juízos, apesar da veemência, da convicção e, porque não, do brilho que lhe emprestaram, deixaram de influenciar e dirigir, e bloquear a démarche legislativa nesta matéria. Enquanto isso, ideias e propostas que sustentámos e aqui trouxemos desde o início da legislatura continuam no centro - qualquer que seja a metodologia imposta ou mesmo o desfecho é verdade que continuam no centro - da agenda parlamentar.
Alguns deixaram-se convencer que era não só possível como indispensável que, antes das próximas eleições, se fosse além de um estudo e de um livro branco e se aprovassem novas regras: essa é a sua contribuição e esse é o seu mérito. Outros, contudo, desde o início da legislatura, consideram inconcebível que a legislatura se encerrasse sem que a Assembleia desse aos portugueses novos motivos de confiança e novas razões para acreditar e para escolher no próximo acto eleitoral: mas esse não é o seu mérito, nem o mérito que devem reivindicar- o mérito é apenas dos princípios, das propostas e dos objectivos defendidos, bons e necessários para qualquer maioria e bons e necessários para qualquer governo!