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7 DE NOVEMBRO DE 1996 269

corresponder à medida da culpa e não excedê-la, é verdade, mas tem também e sobretudo um valor duplo, simbólico e instrumental.
Um valor simbólico porque deve estabelecer a confiança nas normas violadas, deve restabelecer a paz jurídica, deve estabelecer uma correspondência entre o comportamento violador e a retribuição da sociedade, no sentido kantiano da expressão.
Um valor instrumental porque deve servir a ressocialização do condenado.
Não estamos, porém, em tempo de experiências científicas, feitas a expensas da estabilidade, da confiança jurídica e da paz social.
A sociedade moderna orgulha-se de ser um produto evolutivo daquela outra que praticou anos a fio a violência gratuita, o desejo de punir a qualquer custo, de tirar a vida como remédio social. Mas debate-se com um sentimento novo, que a leva a considerar se não se arriscar a cometer exageros em nome do bem. E, mais, que a leva a considerar-se mais indefesa perante quem, organizada ou isoladamente, faz da prática do crime modo de vida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou, mais concretamente, teme esta sociedade - e muitas vezes com boas razões - que a globalização ou a mundialização da actividade criminosa organizada tenha mais meios e mais capacidade do que a própria sociedade organizada em Estado ou o conjunto destes.

Aplausos do PSD.

Isto é, a sociedade teme enfrentar um combate perdido em que o exercício da democracia e dos direitos fundamentais sirva para enfraquecer a reacção contra o crime.
É a este particular estado de espírito da sociedade que o legislador e o político devem prestar particular atenção.
Degradaram-se as situações apenas porque o crime cresceu ou se implantou e conquistou para sua disposição activa de muitos? Ou tornou-se mais fácil e mais permissiva a vida ao criminoso? Ou debilitaram-se as defesas da sociedade?
Um pouco de tudo isto aconteceu.
O sentimento de desregulação social, em nome da facilidade da vida moderna, o sentimento da impunidade em nome da evicção do trauma da obediência e o exagero das formalidades processuais em nome da defesa dos cidadãos contribuíram para o actual estado de coisas.
A tudo isto acresceu a atracção para o domínio político do jurisdicional ou a mediatização incessante da vida, que transpôs as últimas fronteiras da reserva.
É por isso que hoje, em nome da liberdade de informar, se reconhece como válida a tentativa de desvendar o segredo de justiça ou se reconhece como publicamente meritória a condenação social antes do julgamento.

Aplausos do PSD.

Ou seja, num processo que se quer recheado de garantias, a condenação é obtida mais cedo, em público, com acentuada desigualdade de oportunidades de defesa e com um profundo sentimento de suspensão sobre a própria justiça.
Chegou-se ao cúmulo de arbitrariamente se definir quando se «deve» e quando se não «deve» cumprir o segredo de justiça. Chegou-se ao requinte de pressionar o juiz ao ponto de não lhe deixar outra defesa que não seja a realização de uma conferência de imprensa explicativa.

Vozes do PS: - O que tem isso a ver com a liberdade condicional?!

O Orador: - Quando assim acontece e quando a justiça se protela, enredada em prazos inexplicáveis e actos processuais de crescente complexidade e duvidosa fundamentação, o cidadão perde aquilo que deveria ser a sua última defesa: o cidadão deixa de confiar na justiça e na sua realização.
Não nos espantam, portanto, as cifras negras, principalmente em relação aos crimes de menor gravidade, nos quais o ofendido paga duplamente a sua perda: nos bens desaparecidos e no tempo que despende para tentar reavê-los. O que nos preocupa bastante mais são as próprias nódoas negras que um tal sistema, ou a sua perversão, deixa na sociedade.
O sistema penal é apenas uma parte do sistema de justiça. E o facto é que este sistema de justiça começa a dar sinais de fraqueza, reclama reformas urgentes e precisa de ser profundamente alterado. Só que a visão curta da necessidade de afirmação nem sempre consegue promover o necessário consenso entre as forças políticas. Quem ganha com isso é quem, jogando na oposição entre aquelas, procura aumentar os seus poderes e introduzir mais desequilíbrios no próprio sistema.
É hoje inegável que, um pouco por culpa de várias ou de todas estas causas, o cidadão tem cada vez menos confiança na justiça.
E quanto ao sistema penal? Voltamos a citar a Professora Anabela Rodrigues: «Diferentemente do que se passou com os capítulos da parte geral do Código Penal relativos à lei penal e ao conceito de crime, as normas respeitantes às reacções criminais revelaram-se carecidas de ajustamentos significativos. Foi nesta matéria que se justificou um enorme desfasamento entre as intenções político-criminais subjacentes ao Código Penal e a realidade da sua aplicação quotidiana, a ponto de poder falar-se, a este propósito, de um relativo fracasso».
E quando tenta encontrar as causas, refere a mesma criminalista: «As causas [...] residem a nível legislativo, onde se deparam obscuridades, lacunas e desarmonias[...]».
A alteração do Código Penal foi, portanto, necessária. Não terá sido, nem nunca o será, completa. Imediatamente se lhe seguiu uma controvérsia sobre a alteração da medida de algumas penas.
Pensamos que, ultrapassado esse momento de grande incidência demagógica, é agora o momento de reflectir sobre outros pormenores de especial gravidade.
Sendo a pena estabelecida em função da culpa e não devendo exceder a sua medida, a atenção virar-se-á para o sistema de execução da própria pena. Está a pena a servir, efectivamente, de instrumento de ressocialização? Assegura o seu cumprimento que o condenado regressa à sociedade com o desejo de refazer a sua vida, de alterar os padrões de comportamento, de manifestar o arrependimento pelo seu desvio? Deve a sociedade arcar com toda a culpa pelo processo de formação da personalidade do delinquente? É inevitável que a ausência de oportunidades ou de realização material leve ao crime?
Os factos demonstram que existe em Portugal uma crescente percentagem de delinquentes habituais, que fazem da prática de alguns tipos de crimes uma norma de vida.