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4231 - 3 DE OUTUBRO DE 1997

múltiplas colocações, correspondendo quase sempre a múltiplos abandonos, tropeçava constantemente nas minas e armadilhas da tecnoburocracia.
Sr Presidente. Sr.as e. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo- É por tudo isto que declaro aqui, citando um amigo que dedicou às crianças parte da sua vida, esta verdade insofismável o Estado não tem colo. E não tem colo porque não tem rosto, porque fecha à sexta-feira e só reabre à segunda, porque encerra às 5 horas da tarde, porque faz pontes, porque faz férias
O Estado não tem colo tem responsabilidades e recursos, e, de entre essas responsabilidades está a de providenciar rapidamente um colo para cada criança em risco.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Em risco porque não tem família, em risco porque tem uma família que não presta, que a maltrata e a violenta.
É por isso que não basta agilizar processualmente este instituto, é preciso criar condições prévias que não passarão nunca pela socialização das crianças, mas pela sua sociabilização, que se traduz, essencialmente, em destruir os patamares sucessivos onde cada criança é obrigada a «parquear», à espera sabe-se lá de quê.
Um especialista inglês, comentando a burocratizarão do sistema de adopções em Inglaterra, desabafava, em Londres existem, por ano, cerca de 1500 bebés saudáveis para adoptar, mas não são adoptados. Porquê? Porque esses bebés vão sendo funcionalizados pelos serviços públicos E os serviços públicos arranjam os seguintes alibis: se os pais adoptivos têm 40 anos. são velhos, se são ricos, não devem ter sentimentos; se se trata de um homem ou de uma mulher, separadamente, devem* ser homossexuais Podíamos dizer o mesmo em Portugal
Por que razão, e em nome de que rigor - social, jurídico, técnico, chame-se como se quiser -, um recém-nascido abandonado pela mãe fica semanas esquecido, senão meses, crescendo num berço de neonatologia, num serviço hospitalar qualquer, à espera que os novos sábios decidam o seu futuro? Por que razão essa mesma criança é ainda obrigada a uma estadia num centro de acolhimento, um novo compasso de espera a todos os títulos contraproducente?
Daí que seja urgente e indispensável, para discutir esta autorização legislativa, saber qual é, realmente, o universo das crianças em risco, quantos centros de acolhimento existem no País. como se articulam os diferentes intervenientes, que papel efectivo vai ser dado às IPSS neste domínio e que diligências vão realmente ser tomadas para potenciar a adopção internacional
E que não basta mudar a lei, porque mudar a lei é, talvez, o mais fácil que podemos fazer É preciso mudar as atitudes e, consequentemente a realidade.
Sr. Presidente, Sr.as. e Srs. Deputados. Srs. Membros do Governo: A minha primeira memória social foi talvez a cantilena infantil, que decerto todos conhecem, da «linda falua» «Bom barqueiro, bom barqueiro deixai-me passar, tenho filhos pequeninos não os posso sustentar» Afinal, o barqueiro não era bom era péssimo. Seleccionava antigamente as crianças que passavam ou não e é isso que não podemos ser hoje aqui maus barqueiros de filhos pequeninos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo. Sr.as e Srs. Deputados: «Tudo frutificou: o campo estava aberto, deu conchego e raiz a todas as sementes», escreveu Sebastião da Gama.
Esta é, talvez, uma das formas mais espantosas de. e de forma condensada, situar, por analogia, o significado premente da adopção e da necessidade imperiosa de encontrar, pela convergência de instrumentos variados, a definição versátil dos contornos para o «campo aberto» que progressivamente deverá acolher o número assustador de crianças abandonadas, negligenciadas, privadas de ambiente familiar normal, indefinidamente institucionalizadas
A estimativa de cerca de 9000 crianças alojadas em 220 lares destinados a «crianças e jovens privados de meio familiar normal», o baixo número de crianças entregues para adopção e o contrastante elevado número de candidatos a adoptantes tornam por demais evidente a necessidade de modernizar e adequar o enquadramento jurídico, agilizar os procedimentos conducentes à adopção, reestruturar e reorganizar os serviços correspondentes.
A Assembleia da República tem estado particularmente atenta a esta problemática, constituindo sinal evidente de tal preocupação, a Audição Parlamentar sobre Adopção, realizada em 18 de Fevereiro de 1997. organizada pelas 1.ª e 12.ª Comissões.
Nessa Audição foram apontadas, pelas entidades intervenientes - Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, entre outros -, as primeiras alterações legislativas, clarificações e benfeitorias de que o regime vigente carecia
Também com importância directa para a temática da adopção sublinhe-se ainda a Audiência Aberta, organizada pela l * Comissão em 16 de Abril de 1996. onde foi apresentado o relatório final sobre maus tratos a crianças em Portugal, elaborado pelo CEJ, a pedido da Assembleia da República Este relatório traça-nos o retrato extremamente chocante dos abusos sexuais e maus tratos de que as crianças portuguesas são vítimas.
Na sequência de todas essas iniciativas, o XIII Governo, devidamente alertado e consciente para a situação, apresentou, em Março de 1997, o Programa Adopção 2000. visando, simultaneamente, a realização de uma política de promoção da família e de protecção das crianças, definindo o seu desenvolvimento assente em quatro vertentes- a reforma da legislação sobre adopção, a reestruturação dos serviços, a definição de regras de articulação dos serviços envolvidos - públicos e privados - e ainda a criação de um grupo coordenador do programa
A reforma do sistema passa, assim, por uma acção concertada entre aqueles vectores e o seu sucesso depende da forma como se articulam e interactuam. Não há reforma que se inicie sem clarificações conceptuais, não há reforma que subsista sem a conveniente adequação estrutural, funcional e organizacional
A adopção é um instrumento precioso de correcção de desequilíbrios, de realização da solidariedade e de entre ajuda, que tem como ponto de partida o princípio de que a família constitui o grupo humano natural para o desenvolvimento equilibrado de cada um, porque núcleo de acolhimento e de afectos, primeira escola dos valores, dos ritos e dos comportamentos.