642 I SÉRIE - NÚMERO 17
O Sr. Ministro da Administração Interna: Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, sabem todos que lidamos há vários anos com um fenómeno que é a discrepância entre os universos demográfico e eleitoral, discrepância crescente nos últimos 16 anos, pois uma diferença numérica que era de cerca de 300 000, no início da década de 80, situar-se-á hoje na ordem de um milhão. A diferença andava na ordem dos 4,2% em 1981; em 1989, subia para 6,5% e, em 199 1, atingia 11,5%, percentagem de desfasamento que ainda hoje se conserva. De 1991 para 1996, o fenómeno manteve-se, portanto, na mesma ordem de grandeza percentual.
Factores de distorção são de todos conhecidos e começam pelo recenseamento geral da população. Os próprios responsáveis estimam um erro de recenseamento na ordem de 1 %, cerca de 100 000 pessoas, e dizem que ele não permite agarrar o fenómeno migratório, subavaliando a população residente. Assim, antes da realização do último recenseamento, as expectativas iam no sentido de que a população residente se aproximasse dos 10,3 milhões de habitantes; conhecidos ainda em 1991 os resultados preliminares, os demógrafos foram em busca de meio milhão de desaparecidos! O INE justificou essa diferença em 1991 pela utilização de estimativas ao longo da década de 1980, que pressupunham saltos migratórios positivos, na expectativa de um retorno de emigrantes que não teria acontecido.
António Barreto glosou esta situação no final de 1991, escrevendo que um dos jogos de sociedade que fazia furor consistia em perguntar à sua volta, aos amigos e familiares, se tinham preenchido os questionários; se sim, se alguém os tinha vindo buscar; se não, se os tinham levado a algum sítio. É um divertimento e um jogo de sociedade que proponho também aos Srs. Deputados.
A divergência dos recenseamentos entre 1981 e 1986 permitia ver que o recenseamento da população variava de 14% e o recenseamento eleitoral variava de 24%. Está a ver-se a margem do desfasamento. Este é um dos pólos da comparação, sendo o outro pólo da comparação o universo eleitoral.
Quais são os factores de distorção do recenseamento eleitoral? São óbitos não eliminados, são inscrições múltiplas, são inscrições indevidas, é a morosidade de procedimentos oficiosos de eliminação e comunicação de alterações, de onde resulta uma sobre-avaliação da população com capacidade eleitoral. Isto é, temos dois vícios simétricos: de um lado, subavalia-se porque se começa sempre a contar do zero no censo geral da população e, no censo seguinte, se alguém que foi contado no anterior não voltar a ser contado, o censo dá sempre menos do que deveria dar. Por outro lado, dada a lógica de actualização do recenseamento, é mais provável o acrescentamento do que a diminuição e, não havendo as diminuições devidas, a lógica é sempre o acrescentamento. Daí esta trajectória sobre a qual todos falam e muito poucos sabem o suficiente.
Resulta daqui o fenómeno chamado abstenção técnica, de que todos os Srs. Deputados começaram a ouvir falar há anos atrás a comentadores televisivos.
O fenómeno da abstenção técnica é universal, decorre de erros processuais inevitáveis embora susceptíveis de correcção. A informatização é hoje um instrumento fundamental e acessível para desagravar as margens de erro e permitir a actualização célere de informação. Por exemplo, em França, estima-se em 7% a abstenção técnica e nos Estados Unidos da América estima-se em 11 %.
Isto tudo para dizer que nós, com um processo ambicioso como aquele que aqui trazemos, não vamos reduzir a zero a abstenção técnica, pois nenhum sistema pode fazê-lo, e desenganem-se todos aqueles que, de maneia ligeira e irresponsável, disseram que íamos «catar» um milhão de eleitores fantasmas. Creio ter deixado todos os argumentos para que VV.
Ex.as fiquem completamente esclarecidos sobre a ilusão que está por trás dessa afirmação leviana.
Devo dizer que, não obstante o reconhecimento desta divergência entre recenseamento eleitoral e recenseamento populacional, é de louvar o trabalho que, ao longo de duas décadas, os cidadãos que integram os milhares de comissões recenseadoras vêm fazendo, tornando possível o acto cívico de cada um de nós e tornando possível um alto grau de fé pública no recenseamento que temos. O resultado de qualquer acto eleitoral nunca foi posto em causa ou foi afectado de suspeição por razões ligadas ao universo do recenseamento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este problema [em história governativa. Tem! O Sr. Deputado Carlos Encarnação, em 26 de Fevereiro de 1982, isto é, mais de 15 anos antes de deixar as suas funções de Secretário de Estado, já dizia aqui, na Assembleia da República, que só através de registos informáticos é que estes problemas poderiam melhorar. Em 1982, Srs. Deputados!
A sensibilidade técnica e a capacidade de diagnóstico do STAPE afirm4ram-se a partir de 1985, ano em que o Prof. Cavaco Silva ganhou as eleições; o primeiro estudo comparativo entre o universo populacional e o universo eleitoral data de 1985 e foi efectuado pelo STAPE.
O Ministro da Administração Interna, Silveira Godinho, do governo do Prof. Cavaco Silva, na primeira maioria absoluta, em Maio de 1988, já dizia que «existem fortes indícios de que o número total de cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais não corresponde exactamente ao universo dos cidadãos». Isto em Maio de 1998 e não cito mais, mas se o debate o exigir contarei tudo o que o Ministro Silveira Godinho aqui disse, nesta Casa, em 1988.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação, também em 1988, dizia que a democracia só se constrói descarregando dos cadernos do recenseamento os nomes que deles não devem constar. Belíssima observação, feita em Maio de 1988!
Durante a legislatura passada, de 1987 a 1991, o STAPE produziu diversos relatórios técnicos, com uma só resposta, que os Srs. Deputados conhecem: a Lei n.º 81/88. Resultados modestos!
Em 1991, o STAPE apresentou uma nova proposta de redacção do capítulo relativo ao recenseamento, do Código Eleitoral de 1987, com os objectivos de criação de um sistema centralizado, informatizado, gerido pelo STAPE, e registo em suporte informático dos dados dos verbetes. Belíssima. ideia, em 1991! Esta proposta, apesar de presente ao Conselho de Ministros, nunca chegou a ser aprovada, como os Srs. Deputados sabem. Isto foi em 1991!
Durante a legislatura de 1991 a 1995, por solicitação do Sr. Ministro Dias Loureiro, o STAPE remeteu, em Novembro de 1991, um memorando sobre esta problemática contemplando diversas soluções, com as quais os Srs. Deputados já estão familiarizados porque já conversámos muito sobre elas aqui, na Assembleia, não tendo os resultados sido consubstanciados em qualquer proposta legis-