9 DE JANEIRO DE 1998 895
Sem querer desvalorizar esse projecto de lei do Partido Social Democrata em discussão, peno que encerra um vício que me parece algo preocupante. É que, quando falamos em emprego, em primeiro lugar, temos de considerar, a montante, quais são as condições de emprego e, portanto, em que termos é que as pessoas portadoras de deficiência chegam ao emprego. Ora, isto coloca-nos um conjunto de outros problemas que estão por resolver, em termos do modo como está a ser feito o acesso ao sistema de ensino, de como as pessoas podem garantir a sua formação profissional, em termos de saber como é que se garante uma participação social cívica e cultural destes cidadãos com um maior grau de autonomia, o que implica resolver problemas muito complicados nos transportes, nas acessibilidades, em tudo o que tem a ver com mobilidade.
Portanto, nada tendo de reservas quanto ao trabalho exercido no domicílio, parece-me que o que deve privilegiar-se é o trabalho exercido fora de casa. O que queremos é que os deficientes saiam do mundo fechado a que são condenados, o que queremos é criar condições para que possam deslocar-se, não só para trabalhar mas para usufruírem de outros direitos que. neste momento, lhes estão vedados. Por isso, .julgo que esta iniciativa, tendo alguma importância, não pode esconder um outro - aspecto que me parece fundamental e que é o de resolver o problema da participação e do direito ao trabalho dos cidadãos deficientes.
Concluo, dizendo que somos favoráveis a estes projectos de lei no seu conjunto mas pensamos que há aspectos a resolver em sede de especialidade. Parece-nos muito claro que os direitos dos deficientes têm estado por demais adiados e ou o Governo tem propostas concretas a apresentar nesta área concreta, como já teve noutras, de modo a serem discutidas em comissão de imediato ou, não sendo assim, creio que adiar é atentar contra a resolução de um problema que consideramos prioritário.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o último orador inscrito é o Sr. Deputado Nuno Abecasis, a quem vou dar a palavra em seguida. Antes. porém, gostaria de lembrar que, no fim desça intervenção, daremos início ao período regimental de votações.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Abecasis (CIAS-PP ): - Sr. Presidente., Srs. Deputados: As vezes, a vida e o acaso criam-nos algumas surpresas e colocam-nos algumas armadilhas no caminho. E o caso de hoje e felizmente que isso acontece.
Estamos a discutir, devo dizer que com alguma falta de calor, um problema vital para a sociedade portuguesa. Estamos a fazê-lo no dia seguinte a termos analisado os estatutos das organizações não governamentais para o ambiente e das organizações não governamentais, para o desenvolvimento. Devo dizer que o fizemos de forma bem mais quente do que aquela a que. hoje, assistimos aqui.
Ainda bem que o destino nos pôs esta armadilha no caminho, porque esta Assembleia vai ser confrontada com a sua escala de valores para saber se é mais importante haver algumas espécies em vias de extinção do que alguns homens em vias de exclusão. que é o que estamos a discutir hoje.
Não é por acaso, Srs. Deputados, que não conheço nenhuma organização de deficientes que tivesse partido de iniciativa pública. todas elas foram organizadas, laboriosamente, pelas famílias que tinham deficientes no seu seio. Foi assim no caso das CERCI, no caso da Liga para Deficientes Motores, no caso dos deficientes profundos e de todos os casos da longa série de deficiências que encontramos na nossa sociedade.
O problema que se nos põe é tão simplesmente o de saber se devemos falar de integração ou de outra coisa muito mais importante do que isso, o direito à participação. Pergunta Srs. Deputados, se vamos excluir desta nossa lei aqueles que estão em Fátima, no Centro Paulo VI, de deficiências profundas, se consideramos que eles não estão a participar na sociedade portuguesa ou a valorizá-la, se os consideramos como pessoas dispensáveis.
É esta transformação profunda, mais do que as estatísticas, que importa, porque o resto-as estatísticas - resolver-se-á por si próprio, no dia em que estivermos convencidos de que todos os seres humanos têm o direito a participar na sociedade em que nasceram, na sociedade que os fez vir a este mundo. Alguns participarão só pelo sofrimento, valorizando moralmente a sociedade, outros participarão de outras maneiras.
Posso dizer-vos, desde já. que nunca poderei participar no coro do teatro Nacional de S. Carlos, pois não sei cantar! Sou deficiente sobre esse aspecto. Mas também posso dizer-vos que criei, na Câmara Municipal de Lisboa, um serviço que tinha por única missão saber qual o posto de trabalho adequado a cada tipo de deficiência. Graças a isso, hoje, a Câmara Municipal de Lisboa tem alguns milhares de trabalhadores deficientes, que são dos melhores trabalhadores que lá estão. E eu digo-vos porquê: porque lhes foi dado algo impensável, ou seja, nunca pensaram ter o direito a um posto de trabalho na sociedade, mas ele foi-lhes dado. Agarraram-se a ele com «unhas e dentes» e tolos os dias batalham por conservá-lo.
Numa fábrica, onde passei a minha vida inteira, os melhores soldadores por pontos eram todos surdos-mudos. Os melhores soldadores das carruagens de metropolitano, onde os meus amigos Deputados andam, que, sem bitolas, têm um passo de soldadura igual, sempre igual, ao décimo de milímetro, são deficientes, são surdos-mudos!
O problema está em saber se queremos ou não avaliar a capacidade de cada cidadão para poder contribuir, como é do seu direito, para a melhoria da nossa própria sociedade, aceitando que alguns só vão colaborar pelo sofrimento, porque tão têm outra capacidade que não a de sofrer.
Mas esta, meus amigos, é uma questão séria de mais para ser tratada com frialdade, com números ou estatísticas, porque ela entra e bule com toda a consciência nacional e põe-nos o problema de saber se este país pode dispensar milhões de pessoas que são atingidas pela deficiência, bem como o problema de saber se, paia algumas profissões, os deficientes não serão muito melhores do que nós próprios, que temos a perfeição que Deus nos deu.
Meus amigos, proponho à Assembleia da República, a todas as bancadas parlamentares, porque este não é um problema partidário, mas, sim, de consciência nacional, que analisemos, simultaneamente, estes projectos de lei e as propostas de lei relativas às organizações não governamentais de ambiente e de cooperação para o desenvolvimento, porque esta também é uma organização não governamental. Vai-nos ver qual é o grau de afeição das nossas consciências nos valores que nos são propostos.
Aplausos do CD.S-PP.