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1028 I SÉRIE-NÚMERO 30

mas muitas vezes o procuraram catalogar e «amarrar». Recordo a maneira como ele respondeu a um jornalista ocidental, que uma vez lhe perguntou se ele era marxista. Disse-lhe: Marx embirrava profundamente com o facto de lhe chamarem marxista, não gostava nada disso.
Era um homem de uma formação humanista, um homem de uma grande tolerância. Dirigia uma luta armada, mas não usava armas. Aliás. ele foi morto naquelas circunstâncias por estar desarmado.
Afirmava a sua africanidade sem rejeitar a língua portuguesa, antes, assumindo a língua portuguesa, a herança cultural portuguesa e uma certa perspectiva da História de Portugal. Recordo uma entrevista que lhe fiz nessa altura, e que foi muito falada, para a Voz da Liberdade, em que ele surpreendeu muita gente, à esquerda - e à direita, porque às duas por três começou a citar os Lusíadas de cor e disse: «Camões também é meu! Nós ensinamos às gentes da nossa terra as datas significativas e com um significado progressista da História de Portugal». E, depois, disse esta frase, que nunca mais esqueci: «Não é mentira, não! Não é por Salazar dizer que é mentira. É verdade que os portugueses deram de facto novos mundos ao Mundo». Isto disse ele no início dos anos 60 aos microfones da Voz da Liberdade, num dos momentos mais intensos e duros da luta armada de libertação que ele próprio dirigia.
Era um homem com um talento - há políticos que o têm e outros que o não têm, mas ele tinha talento - e, já uma vez o disse, tinha uma certa luz. Era um homem fascinante, marcou a sua época e penso que fez muita falta à nossa própria Revolução e que, porventura, o nosso 25 de Abril teria tido, em determinados aspectos, outra expressão e outra dimensão se ele estivesse vivo nessa data.
Muito antes de se falar na lusofonia e na Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, também ele sonhava que os povos libertos da opressão formassem uma comunidade. Lembro-me de uma vez, num passeio que demos nas margens do Nilo, no Cairo, ele ter dito: «que bonito seria se tivéssemos até, nessa comunidade, uma capital itinerante». Era um homem de uma grande cultura, de uma grande formação.
Foi, sem dúvida alguma, uma grande referência para África e para o mundo. Sempre, em todos os momentos, ele teve a preocupação de definir quem era o inimigo para ele, o inimigo era o sistema colonial - e sempre definiu o povo português como seu aliado principal. Ele sempre disse: «O povo português é o nosso aliado principal e os que se batem em Portugal pela liberdade são os nossos irmãos, são os nossos aliados preferenciais».
Por isso, hoje, repito aqui o que disse no seu funeral, em Conacri, onde falaram dois portugueses, o Dr. Pedro Soares, em nome do PCP, e já falecido, e eu próprio: «o assassinato de Amílcar Cabral foi um crime não só contra África mas também contra Portugal».

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso, sinceramente, que a Assembleia da República se dignifica com a aprovação deste voto e espero que o faça por unanimidade.
Recordo, na sequência, aliás, do que disse o Sr. Deputado Manuel Alegre, que Amílcar Cabral foi um precursor da CPLP e quero, aqui, afirmar a minha convicção de que, se Amílcar Cabral, Samora Machel, entre outros, estivessem vivos hoje, bem diferente seria o destino da CPLP nos nossos dias.
Amílcar Cabral lutou legitimamente pela independência do seu país. Uma pátria, como Portugal, que gera outras pátrias tem de estar habituada a isso. Teve-o no tempo do Brasil; teve-o no tempo de África e está hoje, de outra maneira diferente, no tempo de Timor, e também Macau e Goa são, de algum modo, frutos da nossa maneira de estar no mundo.
Amílcar Cabral estudou nesta cidade, na Casa dos Estudantes do Império, e aí aprendeu, certamente com outros estudantes africanos que também foram líderes de independências, que o horizonte da sua nacionalidade estava bem para lá dos rios da Guiné, que atingia o universo inteiro. Nisso, Amílcar Cabral pode dizer, e disse-o legitimamente, que Camões era dele, que a tradição e a História de Portugal eram dele, e é isso mesmo que nós, hoje, devemos afirmar no mundo, para valorizar até a nossa posição de europeus. Não somos europeus como outros quaisquer, somos os europeus que levaram pelo mundo alguma coisa que a Europa podia dar, e fizemo-lo com generosidade e defeitos. Fizemo-lo com generosidade e egoísmo, como os homens actuam no mundo, com virtudes e defeitos. Mas, no fundo, o coração de Portugal teve. a virtude espantosa de hoje ser assumido, ser possuído, por todos aqueles que fizeram um longo trajecto de centenas de anos connosco.
Orgulho-me, e a minha bancada também se orgulha, que, em 1998, a Assembleia da República possa, sem complexos, evocar o nome de Amílcar Cabral, como amanhã fará outras evocações, e também de um irmão nosso ter sido capaz de construir uma pátria.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Também a bancada do Partido Comunista Português se associa a esta homenagem a Amílcar Cabral, que, como já aqui foi referido, era um homem clarividente, um lutador, um revolucionário, o exemplo de uma vida dedicada ao seu povo, que era fundamentalmente o povo da Guiné-Bissau, mas também o povo de Cabo Verde.
E, se me permitem, e se ele mo permitisse, eu diria que o seu povo também era o povo português, porque, aspecto referenciado, aliás, no voto, Amílcar Cabral, tal como outros, sempre fez a distinção clara entre o regime que então vigorava em Portugal e o povo português. Esta é, em minha opinião, uma das questões centrais, que não podemos esquecer, em tudo o que se passou nessa época, em tudo aquilo que foi o pensamento de Amílcar Cabral, em tudo aquilo que foi o pensamento e a luta de outros africanos e de outros portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Amílcar Cabral ficará, certamente, na História da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, na História de África. Amílcar Cabral era um africano na sua plenitude,