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1030 I SÉRIE - NÚMERO 30

da de um arco seja irremediavelmente uma seta despedida. E uma seta que transporta consigo as esperanças de tanta gente, Mariana - perdão -, de tanta gente, Maria Judite de Carvalho.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Frexes.

O Sr. Manuel Frexes (PSD): - Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados: Infelizmente, mais uma vez, a cultura portuguesa perdeu uma grande mulher das letras.
Depois do que disse o Sr. Deputado José Calçada e também do conteúdo do próprio voto de pesar, gostaria apenas de realçar a grande dimensão humana desta escritora, a sua generosidade, a simplicidade, a discrição - sei lá - a sua efectividade, que são, para todos nós, um exemplo a seguir.
Mais uma vez, Sr. Presidente e Sr.ªs e Srs. Deputados, a cultura portuguesa está de luto.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.º Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não conheci pessoalmente Maria Judite de Carvalho, conheci-a através dos seus livros, que, numa dada altura da minha vida, agarrei daquela forma, um pouco anárquica, como os leitores habituais vão percorrendo o mundo dos livros.
E o que sucede sempre que a gente encontra um, dois, três livros de que gosta, mesmo que não conheça pessoalmente o autor, é estabelecer com quem os escreveu uma cumplicidade e sempre uma dívida de gratidão.
Recordo as palavras de Pepetela, que é também um escritor da língua portuguesa, que disse, concretamente no Brasil: «é para sonhar e fazer sonhar que eu escrevo».
Julgo que os escritores escrevem também para nos fazer sonhar, chorar e rir e para termos mais vidas do que aquela que nos está destinada. É essa outra dimensão, essa possibilidade de passagem para outra coisa que está nas mãos dos escritores e que os leitores como eu têm de agradecer.
Por isso, tenho grandes cumplicidades com muita gente que não conheci, mas também tive a sorte de conhecer alguns e poder também passar essa cumplicidade para o plano pessoal.
É nesse sentido, no sentido de que já não vamos poder ler Maria Judite de Carvalho, já só a vamos poder reler, que penso devermos sentir muito a sua morte, porque, de alguma forma, o seu património já está aqui e é nessas leituras renovadas que vamos poder voltar a fazer as viagens que ela nos ajudou e nos permitiu fazer.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Já aqui se falou, e com palavras cheias de afecto, da obra de Maria Judite de Carvalho. Trata-se de uma escrita muito inteligente, muito perspicaz e que tem um lado bastante raro: ela é capaz de ver nas pequenas coisas a grandeza que as coisas têm, o que é um lado muito feminino da escrita, que nos toca muito a nós.
Maria Judite de Carvalho era capaz de ler no quotidiano os grandes traços da dor humana, e é por isso que a sua escrita ultrapassa as nossas fronteiras, está traduzida em tantas línguas e é citada em antologias e universidades estrangeiras, porque há, para lá do detalhe, o universal, que ela atingia, compreendia e era capaz de escrever.
Maria Judite de Carvalho foi jornalista por profissão, mas era escritora por vocação. Já na altura em que ela exercia a profissão de jornalista, o jornalismo se dava muito mal com o recato de que Maria Judite sempre gostou. A literatura, pelo contrário, beneficiou com o recolhimento a que, a partir de uma certa altura da sua vida, se remeteu.
Estava muito cansada nestes últimos tempos, queixava-se muitas vezes ao telefone, mas havia uma coisa que a Maria Judite nunca perdeu: a inquietação. Maria Judite continuava a indignar-se, continuava a rebelar-se perante as injustiças, e muitas vezes me dava conta disso ao telefone. No meio do seu sofrimento e das suas dores, esse seu lado nunca morria e estava sempre muito vivo.
A reflexão que hoje quero deixar aqui, no fundo, e esta, e também a deixo para mim: que sociedade é a nossa, afinal, em que sabemos tanta coisa sobre pessoas que nada nos interessam e tão mal conhecemos aqueles e aquelas que alguma coisa acrescentam à nossa cultura?! Andamos a sacrificar o essencial ao acessório! Este é, realmente, o absurdo da sociedade mediática em que vivemos.
Mas no caso da Maria Judite, além da invisibilidade que o cultural tantas vezes tem, juntava-se a invisibilidade que sistematicamente atinge as mulheres. Era uma invisibilidade que, ainda por cima, ela não queria contrariar. Ela não gostava dos palcos, fugia das homenagens. Eu sei que ela estava a preparar-se para receber o «Prémio Virgílio Ferreira», porque, desta vez, ela queria ir. Mas era uma violência contra ela própria. No geral, ela fugia destas situações.
E por tudo isto, pela obra que nos deixou, mas, sobretudo, pelo grande silêncio que sempre se fez à volta desta mulher, e que é completamente contrário ao valor da sua obra, que eu peço que nós hoje, aqui, reponhamos alguma justiça e, no meio desse silêncio, digamos todos que a sua vida e a sua obra merecem uma homenagem de representação nacional.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, saio, uma vez mais, do meu habitual comedimento em matéria de uso da palavra quando se discutem votos para me juntar também às vossas palavras, no sentido de testemunhar o mérito desta extraordinária escritora, que soube sempre conciliar a simplicidade e a profundidade e, simultaneamente, a sensibilidade e a força das suas mensagens.
Fui e sou grande amigo de seu marido, também não conheci pessoalmente a Dr.ª Maria Judite de Carvalho, mas, como escritora, tenho por ela uma profunda admiração e acho que o País cumpre um dever se, de facto, lhe prestar, na primeira oportunidade, uma homenagem nacional.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto n.º 100/VII - De pesar pelo falecimento da escritora Maria Judite de Carvalho, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.