21 DE FEVEREIRO DE 1998 1449
O Sr. Antão Ramos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Justiça, Srs. Deputados: A presente proposta de lei visa estabelecer os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal que se encontra ainda regulada fundamentalmente no Decreto-Lei n.º 39/83, de 25 de Janeiro.
O regime do referido decreto-lei sofreu, entretanto, duas alterações importante: uma, de fundo, atinente às informações emitidas para fins profissionais e outra de natureza orgânica, decorrente da extinção do Centro de Identificação Civil e Criminal com a consequente atribuição da identificação civil à Direcção-Geral dos Registos e Notariado e da identificação criminal e do registo da contumácia à Direcção-Geral dos Serviços Judiciários.
Embora inovador em alguns pontos, o diploma em apreciação, que, como foi dito também, estabelece o quadro normativo base regulador da Identificação Criminal, perfila-se, fundamentalmente, na esteira da Lei n.º 12/91, de 12 de Maio, a denominada Lei da Identificação Civil e Criminal, que, por não ter sido ainda regulamentada, não chegou a entrar em vigor.
Por um lado, impõe-se aperfeiçoar o regime da identificação criminal às previsões legislativas sobre a protecção de dados informatizados, o que ganha particular acuidade quando, por exemplo, se revela desejável a emissão descentralizada de certificados de registo criminal negativos.
Por outro lado, a própria função da identificação criminal tem sido objecto de marcada evolução. Perante um panorama assim, em que avulta a deficiente resposta legislativa face às actuais necessidades, e considerando ainda o melindre de que sempre se revestem as questões relativas à identificação criminal, revela-se indispensável um novo diploma que actualize as disposições da Lei n.º 12/91 e dê cobertura às prescrições legislativas referentes à protecção de ,dados pessoais informatizados, desiderato este para que a presente iniciativa legislativa contempla respostas satisfatórias.
Como é sabido e já aqui foi referido, o registo criminal é de origem recente e, na sua configuração moderna, mergulha as suas raízes em concepções político-criminais com pouco mais de um século de evolutiva existência. Desde o início, o instituto da identificação criminal vem norteado pela necessidade do conhecimento dos antecedentes criminais dos arguidos. Como é sabido, a responsabilidade do agente do crime é agravada por circunstâncias de natureza pessoal, como sejam a reincidência e a sucessão de crimes. O mesmo ocorre com os delinquentes habituais ou por tendência, categorias que integram os delinquentes perigosos e de difícil correcção. Daí a relevância do registo dos antecedentes.
Por outro lado, ao certificar negativamente a ausência de antecedentes, podia o instituto contribuir para provar a atenuante do bom comportamento anterior. A identificação criminal reveste, assim, natureza instrumental relativamente ao direito penal, perseguindo a finalidade de lhe conferir maior eficácia no plano da sua realização prática e concreta e seguindo-lhe porém as vicissitudes.
Assim, quando o direito penal se encontrava conformado por um sistema punitivo retributivo ou mesmo quando concede à prevenção geral, prevalecendo então a necessidade de extrair da punição o exemplo reactivo da comunidade face às condutas desviantes, compreende-se a necessidade de conferir notoriedade às penas criminais e de lhes conferir ampla publicidade. Quando assim sucede, a
divulgação e publicitação das penas como que faz parte significativa da própria sanção criminal.
Não é assim, porém, quando o direito penal se encontra mais conformado com os princípios da prevenção especial em que se intenta, prevalentemente, adaptar a pena à personalidade do agente, tendo em vista a sua ressocialização. Tem-se assim afirmado o sentido da primazia a conceder à ressocialização dos delinquentes, como corolário lógico do princípio expresso 'no artigo 65.º do Código Penal, de que nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, disposição essa que também assume dimensão constitucional.
Ora, quando se confere primazia à reinserção social do delinquente, então, a utilidade do conhecimento dos antecedentes criminais dos delinquentes ganha uma configuração muito diferente, resultando, porém, mais humanitária e subordinada ao mais completo respeito pela dignidade da. pessoa, já que, naturalmente, se eliminam os estigmas degradantes e, tanto quanto possível, se liberta o delinquente da carga dos seus antecedentes criminais.
Este carácter instrumental da identificação ,criminal aflora ainda no domínio da determinação da medida da pena e no que concerne à própria investigação criminal.
De qualquer modo, seguro é, que o registo criminal, que continuava a constituir instrumento para aplicação das sanções pelos tribunais, não perdia a sua natureza estigmatizante, resultando não só do amplo acesso ainda consentido a terceiros mas sobretudo pelo vexame que permitia se pudesse abater sobre o condenado. Nessa medida, a despeito da grande importância de que se reveste na prática judiciária, impõe-se a limitação dos seus fins e o controlo do seu uso e organização.
Daí que se explicitem no diploma em apreciação os princípios por que se deve reger a organização e o funcionamento do registo criminal, não restando dúvidas de que, na economia do diploma, se afigura estar devidamente acautelado o respeito pelos mencionados princípios, revelando-se paradigmática a adopção de um estrito numerus clausus sobre os factos registáveis e com a apertada regulação. do acesso à informação e do seu controlo.
Um dos tópicos relevantes do presente diploma reside no âmbito do registo criminal, tal como vem descrito no artigo 5.º da proposta governamental, sendo de realçar aqui duas notas fundamentais. Em primeiro lugar, o facto de apenas se encontrarem sujeitas ao registo as decisões condenatórias já transitadas em julgado. Isto releva para uma configuração de uma moldura de antecedentes criminais com real eficácia para a realização dos pertinentes fins penais e não representa mais do que um mínimo de efeito estigmatizante ditado pela função do instituto e não tolhe o efeito ressocializador pretendido com as reacções penais, e releva ainda pela depuração do instituto dos actos de registo sem utilidade significativa, para não dizer inúteis, e geradores de efeitos perversos de burocratização e paralisia do processo. Ganha aqui especial relevância a eliminação do registo do despacho de pronúncia, ou equivalente.
Do meu ponto de vista, a solução preconizada no diploma afigura-se ajustada à realidade e é á que melhor serve os princípios constitucionais que regem o nosso processo penal e os princípios modeladores do próprio registo criminal.
Quanto à problemática, sempre actual e sempre actualizável, do acesso à informação contida no registo criminal quer pelo próprio titular, quer por terceiros, julga-se que se encontram devidamente acautelados os prin-