6 DE JUNHO DE 1998 2709
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado a Srs. Deputados, dividiria a minha intervenção em duas partes: a primeira para referir, em geral, o problema da regulação da comunicação social e a segunda relativamente a solução concreta existente.
Quanto ao primeiro aspecto, a regulação democrática da comunicação social a para nós absolutamente indispensável. E aqui divergimos claramente de algumas concepções que referem que não deveria existir qualquer órgão regulador da comunicag5o social a que se devia deixar esse problema exclusivamente entregue ao mercado, a soluções de pura auto-regulamentação. Não temos essa concepção. Entendemos que deixar nas mãos do mercado a regulação da comunicação social poderia servir os interesses instalados de alguns, mas seguramente n5o serviria a liberdade de imprensa, não serviria o direito dos cidadãos a informar e a ser informados sem impedimento e sem discriminações, não serviria os direitos dos cidadãos perante a imprensa, enfim, não serviria os interesses da própria democracia.
Sendo esta a nossa posição relativamente a questão de fundo, importa tamb6m dizer que a solução reguladora, em concreto, que se encontrou para Portugal, a partir da revisão constitucional de 1989, é francamente má. O problema não é de agora, não é um problema que a Lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social possa resolver; é um problema que resulta de um acordo de revisão constitucional, feito entre o PS e o PSD, para a revisão de 1989, e que criou como órgão regulador a Alta Autoridade para a Comunicação Social com uma composição, que, a partida, é uma emanação do Governo a da maioria parlamentar conjunturais a que, portanto, pôs em causa, à nascença, as condições de independência deste órgão regulador.
Isto não é uma critica a quem tem exercido, ao longo destes anos, funções na Alta Autoridade para a Comunicação Social. Importa, aliás, dizer que muitos elementos que tem integrado a Alta Autoridade para a Comunicação Social tem feito um bom trabalho, no sentido de prestigiar a actividade desta instancia reguladora, e até podemos dizer, com justiça, que, quer o legislador constitucional quer o legislador ordinário, criaram soluq6es francamente piores do que aquela que veio a ser, afinal, a prática da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
A recente revisão constitucional não alterou qualitativamente esta situação, embora tenha diminuído o peso da nomeação governamental na composição da Alta Autoridade. No entanto, isso não foi suficiente para alterar as características essenciais deste órgão.
A solução encontrada e, inclusivamente, limitadora de outras soluções, que poderiam ser muito razoáveis a positivas. Estou a lembrar-me, por exemplo, da experiência, existente noutros países, de criação de um órgão regulador para o audiovisual. Em Portugal, dadas as compet8ncias já atribuídas constitucionalmente à Alta Autoridade para a Comunicação Social, não faria sentido a criação de um órgão desse tipo, que tivesse de compartilhar as suas competências nesta matéria. Portanto, digamos que o quadro constitucional condicionou negativamente, a partida, outras soluções de regulação.
Relativamente a esta proposta de lei, dentro do quadro constitucional em que ela se move, ha aspectos que nos parecem razoáveis a outros de que discordamos.
A parte positiva desta proposta de lei tem a ver com uma maior precisão quanto as competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social a com o alargamento de competências em diversos domínios, o que, em si mesmo, não é mau. De facto, concordamos que a entidade reguladora da comunicação social deve ter, como questão de principio, mais competências do que aquelas de que disp6e actualmente, nos termos da lei.
Também é positivo que na proposta de lei seja clarificado o recurso contencioso das decisões da Alta Autoridade que sejam actos administrativos. Digamos que é uma mera clarificação, pois, em qualquer caso, já seria assim. De qualquer modo, não é negativo que esta questão seja tratada expressamente na lei.
É igualmente positivo que seja alterada a solução de cooptação dos quatro elementos representativos da comunicação social, da opinião pública a da cultura - creio que é esta a formulação constitucional -, que o PSD, há alguns anos, impôs. De facto, nessa altura, discordámos dessa solução, na medida em que, dada a governamentalizag5o da designação dos outros elementos, uma solução de cooptação fazia naturalmente com que essa mesma maioria se reproduzisse em relação aos outros quatro elementos. Era francamente uma ma solução a parece-nos que esta aqui apresentada pode ser discutível - e teremos oportunidade de discuti-la, em sede de especialidade -, mas altera positivamente a situag5o actual.
Quanto aos problemas que esta proposta de lei suscita e dos quais discordamos, eles tem fundamentalmente a ver com a coincidência que se prop6e dos mandatos dos membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social com a legislatura, no que se refere aos elementos que sejam designados pela Assembleia da Republica a pelo Governo. Esta parece-nos uma solução que conflitua claramente com a natureza que se pretende independente para este 6rgao a mesmo com a própria inamovibilidade dos seus elementos. E que não faz sentido dizer-se que um órgão é independente e, depois, que, quando muda a legislatura, mudam os elementos que s5o designados pela Assembleia da República. Isto é, cria-se uma estreita relação de dependência entre a maioria parlamentar conjuntural a os elementos que sejam designados, o que dará origem a uma situação, em que, a partida, a tendência dos elementos que sejam designados pela Assembleia da Republica 6 fazer tudo para que a maioria se mantenha, sob pena de poderem ter os seus lugares em risco com a mudança de maioria. Ora, uma solução destas não contribui para a independencia da Alta Autoridade para a Comunicação Social - e pensemos até no que seria isto aplicado a outras entidades independentes ou a outras entidades que são designadas pela Assembleia da República, de forma que, quando mudasse a Assembleia, mudaria a composição dos órgãos independentes, o que, de facto, em nada favoreceria a sua própria independência. Esta é pois, uma questão, que, em nosso entender, devia ser revista no debate na especialidade.
Uma outra questão que também nos suscita as maiores dúvidas, quanto a sua compatibilidade com o princípio da inamovibilidade dos membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social, é a ideia constante da proposta de lei da cessação imediata de todos os mandatos, uma espécie de refundação da composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por via legal, o que é uma solução discutível do ponto de vista do principio da inamovibilidade que tamb6m se consagra. Portanto, parece-nos que tamb6m vale a pena debater atentamente esta solução, na especialidade, considerando a situação concreta. E que, como nada disto é desligado da situação concreta existente, importa saber qual a situação dos mandatos que estão em curso a encontrar aqui uma solução adequada. A ques-