172 I SÉRIE - NÚMERO 5
Temos, assim, a oportunidade de consagrar na lei um direito que, numa sociedade de informação que se instalou e se desenvolve aceleradamente, defenda valores que não residem apenas em aspectos materiais mas que são também morais. Se o viermos a fazer, como sinceramente espero, daremos corpo ao que o 19.º Congresso da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), que representa mais de 50 000 profissionais, estabeleceu e consagrou, há 10 anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afinal, o que acabo por dizer é que o jornalismo não morreu! É apenas outro a viver num outro tempo. Nesse sentido, a proposta do Governo tem as virtualidades já expostas, mas ainda outras, designadamente a de consagrar uma ampliação do leque de incompatibilidades do exercício da
profissão ainda que, pessoalmente, pense que também nesta, como noutras alíneas do diploma, deve haver melhorias no texto que nos é proposto.
Assim, define-se agora como jornalista os que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através do texto, imagem ou som, destinados à divulgação informativa pela imprensa.
Também se estabelece um elenco de incompatibilidades apertado, identificando-se de forma taxativa as funções inconciliáveis com o desempenho da profissão.
Revestem-se de carácter inovador, a este título, as funções de assessoria de imprensa e consultadoria em comunicação ou imagem e o exercício de funções de presidente de câmara ou de vereador, prevendo-se como sanção o impedimento do exercício de profissão.
O título profissional é, como sempre deveria ter sido, condição do exercício da profissão e deverá ser emitido por uma Comissão da Carteira Profissional do Jornalista, que esteve parada anos e anos, mas que, felizmente, por acção ou impulso do Sr. Secretário de Estado e do Sindicato dos Jornalistas, voltou a funcionar.
Condiciona-se o acesso à profissão à realização, com aproveitamento, de um estágio obrigatório. Esse estágio terá a duração de 24 meses ou 18 meses, consoante as habilitações académicas. Penso, contudo, que também aqui deveríamos introduzir algumas correcções e ponderar sobre o período de estágio de jornalistas licenciados em comunicação social, que deve ser, na minha opinião, menor do que o previsto.
Os direitos, liberdades e garantias dos, jornalistas são enumerados nos artigos 6.º e 14.º do diploma.
Quanto ao elenco dos deveres, consagram-se quatro grandes limites: o jornalista deve abster-se de formular acusações sem provas e salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos; o jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, bem como os menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias, e não devem tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em função da cor, da raça, da religião, da nacionalidade ou do sexo.
Estes novos deveres, aditados ao regime previsto actualmente, prendem-se com a necessidade de a comunicação social se abster de identificar a raça de quem comete as infracções - normalmente, isso acontece em notícias de crimes, onde se identifica «cabo-verdiano assassinou...». Refiro-me aos cabo-verdianos, porque integram uma comunidade mais visível e que é mais frequentemente mencionada neste tipo de informações. Todavia, é um dever do jornalista não o referir.
Pretendeu ainda o legislador proteger a privacidade e lutar contra um clima que pode favorecer fenómenos de xenofobia.
Quanto à caracterização dos jornalistas, demarcou-se um conjunto de profissionais equiparados a jornalistas, delimitou-se o conteúdo funcional dos correspondentes locais e colaboradores, dos correspondentes estrangeiros e mesmo dos colaboradores nas comunidades portuguesas. Todos esses colaboradores têm direito a um documento de identificação, emitido pela Comissão da Carteira Profissional do Jornalista.
Quanto às formas de responsabilidade daqueles que entravem o exercício dos jornalistas, pune-se o atentado à liberdade de informação com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias. Tal moldura é, porém, agravada até 2 anos se o infractor for agente ou funcionário do Estado ou de pessoa colectiva pública - os clubes de futebol devem atentar nesta nova norma, porque muitas vezes são os principais violadores, gozando do instituto de pessoa colectiva pública.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabe-se hoje que há uma vasta jurisprudência da Procuradoria-Geral da República sobre a questão do sigilo profissional. O Parecer n.º 205/77 abordou o tema do segredo do jornalista, a propósito de documentos da Polícia Judiciária que colocavam diversas questões relacionadas com a Lei de Imprensa, sublinhando vícios, deficiências e lacunas da mesma que, até agora, comprometeriam a acção daquele organismo na investigação dos crimes de imprensa.
A lei em questão garantiu, porém, o sigilo profissional dos jornalistas no n.º 4 do artigo 5.º, que ora se transcreve: «Os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta. Os directores e as empresas não poderão revelar tais fontes, quando delas tiverem conhecimento».
Segundo o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o preceito teria
consagrado sigilo profissional dos jornalistas sem limitações. Deste modo, comparou-se tal solução com a constante de outras legislações de tipo europeu ocidental.
Tendo em conta as experiências de legislações onde existe larga tradição de liberdade de imprensa, se é certo que se desenham tentativas no sentido de conferir maiores garantias no domínio do sigilo profissional, nem por isso se preconizam soluções tão drásticas como a dá lei portuguesa vigente.
Um jornal não é livre se as suas fontes de informação o não forem; um jornalista não é livre se as suas fontes de informação o não forem. Se se contasse apenas com as informações emanadas das agências oficiais, muitas informações importantes não veriam a luz do dia, muitos escândalos jamais poderiam ser denunciados! Os informadores da imprensa não falam senão na medida em que estão seguros de que não serão denunciados e, por isso, não temem represálias.
É ainda em nome da liberdade de imprensa que os jornalistas, quando reivindicam o segredo profissional, reivindicam, de facto, o direito de não serem compelidos a revelarem as suas fontes à justiça.
Todavia, alertou-se para a necessidade de ponderar um outro interesse - o da boa administração da justiça - que, em certas hipóteses e sempre no respeito do princípio da proporcionalidade, imporia restrições ao sigilo profissional em análise. Houve igualmente o cuidado de se evidenciar a especificidade do sigilo do jornalista.