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23 DE OUTUBRO DE 1998 573

ao Centro de Estudos Judiciários, relativo às crianças portuguesas vítimas de maus tratos nos anos 90, salienta-se que, na área da saúde, há grupos de população infantil «que escapam totalmente a qualquer tipo de vigilância médica» e que, na área da educação, « a baixa frequência da educação pré-escolar constitui um factor de risco - o risco do insucesso escolar, mas também os riscos que decorrem de crianças entregues a si próprias ou a pessoas pouco qualificadas». E acrescenta ainda que «se o insucesso escolar constitui um risco considerável relativamente ao futuro profissional, a situação de abandono escolar representa um risco ainda mais acentuado (...)» e conclui que «estamos perante uma ilegalidade consentida que as autoridades competentes não têm sabido ou conseguido eliminar».
Quanto à segurança, as estatísticas pecam por defeito e, no entanto, são assustadoras. Afirma-se que, em 1995, 636 crianças foram vítimas de crimes (julgados em tribunal). Destes, 25% do total são «crimes étnicos», 25% são «crimes contra a integridade física» e 24% são «crimes sexuais». No mesmo ano, 33 crianças foram vítimas de homicídio.
Apesar de provisórias, são enunciadas algumas reflexões finais que justificam a referência. Os estudos realizados permitem concluir que as crianças vítimas de maus tratos são oriundas de famílias socialmente maltratadas, onde a pobreza e a exclusão social dominam, onde a degradação habitacional e convivial determinam o quotidiano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passaria agora à segunda questão, a de natureza legislativa. A Cimeira Mundial da ONU sobre a criança, que decorreu em Nova Iorque em 1990, aprovou, com a presença de muitas dezenas de chefes de Estado, um plano de acção para ser aplicado durante a década de 90.
E se as convenções e tratados nacionais e internacionais reforçam e legitimam o trabalho de base na sua condição de documentos ratificados pelos governos, a verdade é que o impacto destas decisões, concretamente, sobre a população infantil quer no que se refere d assistência, quer no que se refere à protecção, é escasso e muitas vezes inexistente.
E é assim, porque todas estas boas vontades discursivas, todos estes reconhecimentos de culpa consideram frequentemente a criança como um ser isolado e não como elemento de uma estrutura de relações quer intra, quer extra familiar e também porque a mera ratificação dos documentos não garante a sua ulterior aplicação.
Não há dúvidas quanto à quantidade de produção de literatura nesta área, no entanto, não há dúvidas também que a situação das crianças tem vindo a piorar quer nacional, quer internacionalmente.
E seria suficiente haver vontade política e algum esforço financeiro para responder às necessidades básicas da população infantil. Segundo uma estimativa da UNICEF, 25 milhões de dólares seriam suficientes para resolver todos os problemas de nutrição, assistência médica e educação primária de todas as crianças do mundo.
Portugal foi dos primeiros países a aderir à Convenção sobre os Direitos da Criança; ratificado o texto, vigora na ordem jurídica interna desde 21 de Outubro de 1990.
No âmbito das funções deste Governo, têm sido muitas e diversas as comissões, os grupos de trabalho, as estruturas governamentais e para-governamentais criadas com o objectivo de diagnosticar, observar, estudar, investigar, avaliar, mas tem faltado sistematicamente o «golpe de asa», como diria o poeta, para operacionalizar, formular e executar políticas conducentes à resolução dos problemas inventariados.

O Sr. António Braga (PS): - Ora aí está o «golpe de asa»!

O Orador: - São também muitos e diversos os programas que de forma avulsa, e vivendo, quase exclusivamente, dos apoios comunitários, têm surgido no âmbito dos diferentes ministérios, criados por despachos conjuntos ou isolados, dos quais pouco ou nada se sabe, não se articulam e acabam por falhar em eficácia.
São estas as ilações possíveis, se lermos atentamente o segundo relatório de 1998, sobre a aplicação da Convenção sobre os Direitos da Criança, da responsabilidade da Comissão Nacional dos Direitos da Criança.
É, no entanto, de salientar a apreciação positiva que é feita quer no primeiro, quer no segundo relatórios ao serviço Especial para atendimento e tratamento das queixas das crianças, criado em 1992 pelo Provedor de Justiça. Afirma o relator, logo no início, que «o Provedor de Justiça, a quem qualquer cidadão pode recorrer em caso de violação dos direitos reconhecidos pela Convenção, tem dedicado um cuidado notável às questões relacionadas com a situação das crianças».
E, mais à frente, acrescenta que «segundo os dados fornecidos pela Provedoria, cuja contribuição para o presente relatório se deve assinalar, as crianças telefonam essencialmente no tempo da escola (...) ou quando estão sozinhas em casa. Em média, 4 em cada 5 casos apresentados tiveram solução satisfatória. Apenas 2% dos pedidos de ajuda e aconselhamento, (...) deram lugar a abertura de processo que transitou (...) para os serviços competentes da Provedoria de Justiça.».
Perante este quadro, a questão que ora se coloca é da pertinência de um projecto de lei que cria mais um provedor numa área específica - a da criança - ou da necessidade do reforço das competências e independência do Provedor de Justiça.
Em sede de revisão constitucional, o PCP apresentou um conjunto de propostas de alteração ao artigo 23.º que não mereceram aprovação - tão-pouco do Partido Socialista - e que tinham como objectivo, exactamente, não só ampliar as competências do Provedor de Justiça, mas também reforçar a sua independência e alargar a temporalização do seu mandato.
A iniciativa legislativa do PS parece vir agora reconhecer, de forma enviesada, a importância do reforço das competências do Provedor de Justiça. Só que o faz assumindo uma opinião bem diversa, para não dizer contrária, daquelas que o PS tem sustentado nesta matéria.

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!

A Oradora: - Aquando da revisão constitucional, em 1989, o Sr. Deputado Alberto Martins considerava que já tinham surgido «(...) ao nível do debate público em Portugal, não só a criação de um provedor ecológico, como de um provedor das crianças, de um provedor das mulheres, de um provedor militar (...)», e que «(...) neste quadro, a proliferação desta figura do Estado seria, (...) uma desvalorização do actual Provedor de Justiça».

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Bem lembrado!