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3032 I SÉRIE-NÚMERO 84

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Mais uma vez temos para discussão uma proposta de lei que visa alterar a Lei n.º 4/84, relativa à protecção da maternidade e da paternidade.
Como já o dissemos, há pouco mais de um ano, a propósito de outras iniciativas legislativas relativas à mesma matéria, a diversa legislação publicada desde 1984 tem sofrido, na generalidade, de uma timidez absurda e mesmo retrógrada, decorrendo daí o facto de transfigurar, algumas vezes, o texto constitucional, quando, naturalmente, o deveria verter de forma pragmática, actuante e realista. É disto exemplo a licença por maternidade, cujo período de 120 dias, proposto pelo PCP desde 1982, foi sempre rejeitado, tendo o texto aprovado em 1984 consagrado, somente, um período de 90 dias. Só este ano, a partir de Janeiro de 1999, as mulheres portuguesas tiveram, finalmente, direito a um período de 120 dias.
São disto exemplo também algumas das alterações introduzidas a propósito da transposição da Directiva n.º 92/85 que o Governo do PSD trouxe à Assembleia da República, suprimindo direitos já adquiridos pelos trabalhadores e trabalhadoras portugueses. Refiro-me, concretamente, ao conteúdo do artigo 1.º-A, que ainda hoje define trabalho nocturno como aquele que é prestado entre as 0 horas e as 7 horas, ignorando um diploma anterior que definia como nocturno o trabalho prestado entre as 20 horas e as 7 horas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ªs Deputadas: A proposta de lei hoje em debate melhora alguns aspectos do quadro legal vigente, deixando, no entanto, intactos outros que urgia alterar, como aquele que acabei de referir.
As alterações que o Governo fez chegar à Assembleia decorrem, quase exclusivamente, da necessidade de adequar uma lei com 15 anos a outros diplomas legais entretanto existentes, e com disposições mais favoráveis que, naturalmente, não podiam ser prejudicadas pelo disposto na Lei n.º 4/84 - refiro-me, por exemplo, ao regime jurídico da adopção -, ou, então, decorrem da necessidade de transpor para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 96/34/CE, de 3 de Junho, transposição que deveria ter ocorrido até Junho de 1998, relativa à licença parental e ao direito a faltas ao trabalho por motivo de doença de familiares, ou, então, ainda, decorrem do reconhecimento - e, neste caso, mais vale tarde do que nunca - de graves realidades, tantas e tantas vezes ignoradas ou minimizadas, como os despedimentos sumários a que estão sujeitas muitas mulheres só pelo facto de o serem e, por isso mesmo, poderem, um dia, talvez, engravidar e ser mães,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ... ou decorrem também, ainda, do reconhecimento da existência, cada vez mais preocupante, de um aumento de gravidezes na adolescência, situação que requer urgentes medidas de diagnóstico e de avaliação para encontrar respostas adequadas de protecção e acompanhamento. Mas é muito pouco, risível mesmo, o que a proposta de lei contempla nesta área, ficando-se pelo «direito a um período de faltas aos avós destes recém-nascidos, desde que vivam em comunhão de mesa e habitação» ou por considerar que só têm este direito os trabalhadores e as trabalhadoras cujos netos tenham como progenitores adolescentes até aos 16 anos, ignorando que a idade pediátrica é até aos 18 anos, como o confirma a Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas sejamos realistas.
O fosso entre a lei e a prática é abissal. E as responsabilidades deste Governo, particularmente, têm sido muitas.
Ainda esta tarde, iremos apresentar um projecto de lei de protecção da maternidade com o objectivo de impedir que o Governo continue a ignorar a lei e a considerar a gravidez como se de doença se tratasse. E isto só pode ter duas leituras: ou o País tem um Governo sistematicamente distraído ou o Governo possui, hipocritamente, dois pesos, o peso do discurso, em nome da igualdade de oportunidades, e o peso da prática, em nome da discriminação, cada vez mais feroz, que se abate sobre as mulheres.
É ou não verdade que este Governo apresentou propostas de lei que viabilizam a redução dos salários, dos subsídios de férias, dos subsídios de Natal e de desemprego, que viabilizam o incentivo à transformação de contratos de trabalho a tempo completo com direitos em contratos a tempo parcial, sem direitos, nem garantias?
E ou não verdade que as propostas governamentais anulam o direito a dois dias de descanso semanal, especialmente coincidente com o sábado e o domingo?
É ou não verdade que este Governo tudo tem feito para tornar precária e flexibilizar as relações de trabalho?
Todos sabemos e o Governo também sabe que degradando-se a situação dos trabalhadores aumentam as discriminações em relação à mulher. A maternidade passa a ser um obstáculo que os empregadores utilizam para inviabilizar o acesso ao trabalho por parte das mulheres que são ou pretendem vir a ser mães. E quando o conseguem são penalizadas também: muitas vezes não lhes é paga a remuneração referente ao tempo de dispensa para exercício de direitos consagrados, como os das consultas pré-natais, de preparação para o parto ou de amamentação ou aleitação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Nesta matéria - convém dizê-lo -, congratulamo-nos pelo facto de o Partido Socialista ter percebido, finalmente, que uma criança não amamentada tem o direito à aleitação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Não foi capaz de o entender em 1984, quando o Partido Comunista Português propôs o direito a dispensa diária de trabalho, por dois períodos distintos, para amamentação e aleitação, e o Partido Socialista, lado a lado com o CDS, lado a lado com o PSD, rejeitou esta proposta, porque, diziam então, os empregadores não gostariam de tantos direitos e as mulheres, futuras mães ou mães, teriam dificuldade em assegurar o direito ao trabalho.
Mas os números, os oficiais, estão aí a confirmar as discriminações: as consentidas, as silenciadas e as sugeridas.