0305 | I Série - Número 09 | 12 De Outubro De 2000
Em segundo lugar, não se pode pretender, através da reforma fiscal, criar um novo dogma ideológico. Tal dogma só acentua a servidão dos contribuintes. É o que temos hoje.
O contribuinte que paga é tratado como «servo» por uma administração que gasta; o contribuinte que tem razão, é tratado como número, e não como pessoa, por uma administração que cobra, mesmo quando erra, mas não paga pelos seus erros.
O princípio do desagravamento fiscal é nosso, há muitos anos. O Governo aceita a redução dos impostos? Bem-vindos ao clube! O combate à fraude e à evasão não é de esquerda nem de direita, é uma questão de seriedade e de cidadania fiscal. As presunções e as inversões do ónus da prova, como acima já disse, devem ser acompanhadas do reforço dos direitos dos contribuintes.
Em terceiro lugar, a reforma fiscal não deve ser uma «trituradora fiscal», sempre à procura de taxar cada tostão ganho pelo esforço de quem trabalha. A poupança, a criação de riqueza e o desenvolvimento não devem ser penalizados.
Liquide-se o imposto devido, mas liberte-se o contribuinte. Como dizia um velho director-geral dos impostos, que tive a honra de conhecer e de com ele trabalhar, o contribuinte é um cliente, há que tratá-lo bem.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Como é bem de ver analisei cuidadosamente os diversos documentos aqui em debate, neles se incluindo, naturalmente, as propostas apresentadas pelo Governo. Há matérias de consenso entre a nossa proposta e a do Governo.
Vou dar exemplos: o objectivo de redução das taxas do IRS (até que enfim!); a consagração da dedução para creches e jardins de infância; um primeiro passo na consagração da regra da comunicabilidade dos custos suportados pelos sujeitos passivos de IRS; a eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos; o preenchimento, densificação e clarificação das actuais regras legais de preços de transferência, subcapitalização e regimes fiscais mais privilegiados.
Como sempre dissemos, o combate à evasão deve ser feito por esta via. Vão neste sentido, aliás, algumas das propostas por nós apresentadas a este debate.
Também a consagração de taxas diferenciadas para contribuintes de IRC é idêntica à proposta que apresentámos nos nossos próprios projectos de lei.
Por outro lado, para além destas matérias, não devo nem posso deixar de chamar a atenção para algumas outras que me causam alguma perplexidade.
Em primeiro lugar, o Governo vem propor a tributação dos subsídios ao abate de efectivos e ao abandono de actividade e arranque de plantações, no âmbito das actividades agrícolas, silvícolas, pecuárias e pesca. O que é isto?! Então, subsidiam quem deixa a agricultura e agora querem tributar os subsídios?! Então, mandam abater os barcos, e agora tributam o abate?!
O segundo ponto de profunda perplexidade, e vem tratado na proposta do Governo, é o de manter a tributação em taxa liberatória dos dividendos, mas propor o respectivo englobamento para efeitos de determinação da taxa fiscal aplicável.
Na verdade, através desta regra de englobamento, depois de pago o imposto, ainda se vai permitir arrecadar mais imposto, apenas pelo mecanismo da mudança de escalão e de taxa. É esperto, mas não é justo!
Em terceiro lugar, na política de deduções à colecta, nada se prevê quanto a um aumento significativo dos juros pagos pela aquisição de habitação própria. É esta a consciência social do Governo, quando sabe que as famílias, que foram incentivadas a adquirir casa, viram aumentar os juros e diminuir as bonificações?!
Mas os juros vão continuam a aumentar, Srs. Membros do Governo!
O último aspecto que me parece importante salientar tem a ver com o facto de o Governo aparentar, no contexto destas propostas, consagrar uma filosofia curiosa. A par da definição de métodos indirectos para a determinação do rendimento, isto é, fixando a matéria colectável por presunções, pretende também quebrar o sigilo bancário.
De duas, uma: querem ver ou querem presumir?! Se vão à conta bancária é para saberem o rendimento real; se sabem qual é o rendimento real, para que se vão pôr a presumir?! Ver, é confirmar! Presumir, pode ser mentir! A conta é objectiva; a presunção é subjectiva! Escolham um caminho, mas não queiram fazer do nosso sistema fiscal uma «tributação a olho», que varie de cidade para cidade, de repartição para repartição, deixando o cidadão à mercê não da lei mas da boa vontade dos agentes.
Para além destas críticas e da identificação de alguns pontos de convergência, o CDS-PP considera que uma das principais reformas estruturais, sem a qual, aliás, as outras falham ou falharão, deve conformar-se com um conjunto de princípios que constam das nossas propostas, pelas quais nos bateremos e que nos parece ser importante elencar. Sem estes princípios a reforma não terá o nosso voto.
O primeiro deles, é o princípio da defesa das classes médias. Ao que parece, o Governo pretende desagravar a carga fiscal sobre os que pagam. Já acima o disse, e repito, bem-vindos ao nosso clube!
O Governo anuncia - mas na proposta não consta! - que quer que mais de 500 000 contribuintes deixem de pagar o imposto. São os mais pobres. Concordamos! Trata-se de desonerar os que menos ganham sem perda significativa de receita. Recordo que esta receita, em 1998, se cifrava em menos de 3 milhões de contos.
Mas, Sr. Ministro das Finanças, e os contribuintes que mais participam na arrecadação de impostos, os cerca de 1,3 milhões de contribuintes que, em 1998, só por rendimento de trabalho dependente contribuíram com cerca de 245 milhões de contos para a receita? E a classe média que está nos escalões intermédios?
Estes são também os que mais sentiram o aumento das taxas de juro, os que mais sofreram com a diminuição da bonificação, os que mais atingidos são pelo aumento dos combustíveis. A não ser que o vosso desagravamento seja apenas o que custa pouco!
Pela nossa parte, como é sabido, defendemos uma maior redução das taxas intermédias do IRS, porque só desta maneira é possível desagravar os impostos de quem já muito paga e quase nada recebe. Fica claro: para nós, as taxas da classe média devem descer mais. A taxa de 25% deve descer para 23%; a taxa de 35% deve descer para 33% - é mais do que o Governo dá, mas é o mínimo para podermos dar o nosso voto.
O segundo princípio é o da integração progressiva no sistema do mínimo de existência pessoal e familiar.
Este modelo, a nosso ver, assume várias vantagens: a da simplicidade do sistema; a da maior justiça redistributiva; a da consagração de um mínimo de rendimento que não é sujeito a imposto; a do tratamento mais favorável