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0300 | I Série - Número 09 | 12 De Outubro De 2000

No entanto, limitámo-nos a propor uma medida de fundo, que é a que aparece do projecto de lei do Bloco de Esquerda, sobre IRC, que é, pura e simplesmente, a transposição da legislação que outros países com off-shores praticam em relação ao movimento dos capitais, isto é, deixarmos de ter uma taxa de IRC de 0% e passarmos a aplicar uma taxa sobre todos esses movimentos. Isto tem uma dupla virtude: em primeiro lugar, permite a obtenção de receitas fiscais e, em segundo lugar, e não menos importante, permite e obriga que se proceda ao registo, à clarificação e, portanto, à regulação de todos esses movimentos de capitais.
Disse-nos o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ricardo Sá Fernandes, que o fim dos off-shores seria um bem para o mundo, e tem inteira razão. Mas Portugal não é obrigado a manter uma situação que, não tendo qualquer vantagem, só tem os inconvenientes da falta de transparência.
Em terceiro lugar, separa-nos uma diferença essencial sobre o conceito de sigilo bancário. E é sobre isso que quero falar com mais detalhe.
O Bloco de Esquerda apresentou um conjunto de propostas sobre o sigilo bancário; vou referir-me a algumas delas e, em particular, à que respeita ao regime sobre os cartões de crédito.
As Sr.as e os Srs. Deputados saberão que o problema que aqui colocamos não existe em nenhum país da OCDE, salvo os três únicos países que têm sigilo bancário com as características portuguesas, que são a Áustria, o Luxemburgo e Portugal, naturalmente. Em qualquer dos outros países tal problema jamais existe, pela simples razão de que as operações registadas com cartões de crédito são necessariamente conhecidas da administração tributária por um procedimento administrativo muito simples. No entanto, não é assim em Portugal.
E em Portugal (lembrava o Prof. Silva Lopes num artigo publicado no Jornal Público há pouco tempo atrás) aconteceu um facto extraordinário: por regra, até há pouco tempo, até esse incidente precisamente, as operações com cartões de crédito eram comunicadas à Direcção-Geral dos Impostos. No entanto, em função de um desses pedidos, que rotineiramente eram atendidos, a Procuradoria-Geral da República instaurou um processo ao gestor da Unicre, alegando que o fornecimento desses dados à administração tributária violava a intimidade dos comerciantes. Saber-se qual é o montante do pagamento num bar ou num restaurante através de cartão de crédito viola, espantemo-nos, a intimidade do comerciante!
Sabemos hoje também que 72% do total da facturação dos bares e dos restaurantes é pago por cartões de crédito, o que é um meio de pagamento normal, como é natural.
Pergunto como é que se pode fazer uma tributação séria do sector do comércio, em particular deste sector. Não há, nos outros países, qualquer outra resposta que não esta: saber-se a verdade sobre estas operações.
Não é preciso saber, e por isso não há sequer alegação da violação de intimidade, quem comprou o quê.
Não interessa à administração fiscal saber se o cavalheiro pagou champanhe numa casa de alterne ou se a senhora comprou um par de sapatos; interessa somente saber o total das operações que foram registadas, porque o que a administração fiscal descobriu, no caso de que vos estou a falar, e que o Prof. Silva Lopes tornou público, é que muitos desses bares e restaurantes têm facturações efectivas 10 vezes superiores àquilo que declaram ao fisco.
Como é que se pode saber a verdade de outra forma que não seja sabendo a verdade? Naturalmente, por isso, a proposta que fazemos de que o total da facturação com cartões de crédito seja conhecido e não protegido por um sigilo bancário absurdo é fundamental.
Mas, sobre isso, queria insistir no aspecto da intimidade, porque os partidos de direita, …

O Sr. António Capucho (PSD): - Quais partidos de direita?

O Orador: - … tradicionalmente, argumentam que não se pode mexer no sigilo bancário por uma questão de direito de intimidade, razão que não pesa para os Estados Unidos, para o Canadá, para a França, para a Inglaterra, para a Espanha, mas pesa para três países, as três «aldeiazinhas» fugidas no fim do mundo: Áustria, Luxemburgo e Portugal.
A jurisprudência sobre o direito de intimidade foi criada nos anos 20, por causa de um incidente, que ocorreu nos estados Unidos, no Estado de Massachussets, porque uma lei procurou impor a proibição da existência de contracepção num casal. A lei de Massachussets impunha que a contracepção fosse proibida entre um casal, homem e mulher casados. E alegou-se contra essa lei, absolutamente iníqua, que o direito de intimidade defendia o direito da escolha num espaço que não tinha de ser controlado publicamente.
Na altura, ainda o Prof. João César das Neves não escrevia os seus artigos no Diário de Notícias sobre o mesmo assunto.
O direito de intimidade nunca teve que ver com o problema do sigilo bancário. E, como questiona muitíssimo bem o Prof. Silva Lopes, que direito de intimidade é esse que defende a possibilidade de alguém não declarar a verdade perante a tributação? Então, o direito de intimidade deve ser tal que obrigue a um dever de sigilo que se opõe à obrigação de cumprir os deveres perante o Estado?
A contradição a este direito absurdo é a democracia, a transparência, a verdade e a regra verdadeira que tem de ser imposta. Por isso, Gomes Canotilho e Vital Moreira sempre separaram a esfera pessoal íntima, sobre a qual não deve haver qualquer interferência, e a esfera privada, que não pode ser o local de protecção da fraude fiscal.
O dever de declarar a verdade sobrepõe-se ao direito individual de ocultar o património, é por isso que o sigilo bancário tem de ser alterado em Portugal. Aliás, já é assim em algumas situações: o sigilo bancário não pesa, correctamente, quando estão em causa crimes de droga, isto é, quando há criminalidade o sigilo pode ser levantado.
O sigilo bancário pode também ser levantado, e correctamente, já hoje, quando há inside trading, podendo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários verificar as contas bancárias.
Mais do que isso, há uma terceira regra em Portugal que viola o sigilo bancário e, extraordinariamente, já o fazia muito antes de o mesmo ser consagrado, o que só aconteceu de uma forma consistente juridicamente em 1963. Em 1967, e ainda agora, com o Decreto-Lei n.º 29/96, de 11 de Abril, mais concretamente o seu artigo 4.º, foi criado um Serviço de Centralização de Riscos de Crédito que permitia à banca comercial, portanto, a empresas privadas, obter informação sobre os clientes de outros bancos, ou seja, violar o sigilo bancário, em nome