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0460 | I Série - Número 13 | 20 de Outubro de 2000

 

depositar flores junto à campa de Eça de Queirós, tendo depois escolhido o alto lugar queirosiano de Tormes, a quinta que inspirou ao escritor A Cidade e as Serras, hoje sede da Fundação Eça de Queiroz, para assinalar a passagem do centenário.
Na sessão comemorativa, o Sr. Presidente da República acentuou a vertente cívica do escritor, o qual, na sua opinião, foi de um espírito crítico e de uma lucidez sem complacências para com o País e para consigo próprio. Se Eça de Queirós não poupou nada nem ninguém quando escalpelizou a «choldra ignóbil», que para ele o País constituía, fê-lo no mais vivo, agudo, quando não dramático, espírito patriótico. «Patriotarras, patriotaças, patriotarraças», assim designou ele tantos quantos não poupavam elogios ao País decadente que, a seus olhos e aos da geração iconoclasta a que pertenceu, Portugal era. Todos os sectores da vida política, económica, cultural lhe mereceram uma farpa, visando acordar o «velho porco adormecido», isto é, a Pátria. Farpas assumidas pela designação de Farpas ou farpas que ganharam contornos ficcionais, como esta, contida no seguinte desabafo de Ega em Os Maias, perante a inoperância do rotativismo político regenerador: «É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm 'imenso talento'. A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, aparte os disparates que fazem, um 'talento de primeira ordem'! Por outro lado, a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de robustíssimos 'talentos'! De resto, todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado 'com imenso talento!', que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!»
O Ega irreverente do comentário que acabámos de ler é o mesmo que ao longo do romance faz a reflexão mais patriótica, que funciona simultaneamente como uma autocrítica e um apelo à acção, em atitude idêntica à que o mesmo Eça poderia ter tomado perante a constatação de que a cera de que é feita Portugal é boa, quem a trabalha é que não presta. E, como não poderia deixar de ser, reflecte Ega, como Eça reflectiria, «se nós, que possuímos as aptidões, nos contentamos em governar os nossos dog-cars e escrever a vida íntima dos átomos? (…) No fim, este diletantismo é absurdo. Clamamos por aí, em botequins e em livros, 'que o país é uma choldra'. Mas que diabo! Porque é que não trabalhamos para o refundir, o refazer ao nosso gosto e pelo molde perfeito das nossas ideias?».
Este é o Eça irónico, contraditório, ambíguo, dialecticamente duplo, que detesta e ama o seu país, que acredita na sua regeneração e se desencanta, se ilude e se desilude, se sente vencido e com isso ironiza. É que, como ele tão bem explicou ao inefável Pinheiro Chagas, «para um homem, o ser vencido ou derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirava.» E continua, concretizando com a sua inexcedível ironia: «Se um sujeito largou pela existência fora com o ideal supremo de ser oficial de cabeleireiro, este benemérito é um vencedor, um grande vencedor, desde que consegue ter nas mãos uma gaforina e a tesoura para tosquiar, embora atravesse pelo Chiado cabisbaixo e de botas cambadas. Por outro lado, se um sujeito aí pelos 20 anos, quando se escolhe uma carreira, decidiu ser um milionário, um poeta sublime, um general invencível, um dominador de homens (ou de mulheres, segundo as circunstâncias), e se, apesar de todos os esforços e empurrões para diante, fica a meio caminho do milhão, do poema ou do penacho, ele é para todos os efeitos um vencido, um morto da vida, embora se pavoneie por essa Baixa amortalhado numa sobrecasaca do Poole e conservando no chapéu o lustre da resignação.».
Eça agarrou por vezes nas suas mãos uma gaforina, mas sentiu-se muitas outras amortalhado numa sobrecasaca elegante do Poole alfaiate. Como todo o grande artista, viveu na contradição, experimentou-a e exprimiu-a dramaticamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No sentido de dinamizar um programa de comemorações do centenário, o Governo, através do Ministério da Cultura, designou uma comissão nacional que tem acolhido e apoiado inúmeras iniciativas, desde colóquios a exposições, de produções teatrais a prémios de incentivo à criação, procurando cobrir a maior diversidade de públicos e de regiões do País. Por sua vez, o Ministério da Educação vem desenvolvendo um programa especial de incentivo à leitura de Eça nas escolas e tem dado o seu apoio a colóquios realizados até ao momento nas Universidades de Évora, Coimbra e Porto. Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros, através do Instituto Camões, desencadeou no exterior uma vasta acção de promoção da obra e da figura do escritor-diplomata, intitulada «Eça de Queirós entre milénios: Pontos de olhar», que tem incluído colóquios, exposições, vídeos e traduções.
Agora que se aproxima a data simbólica do nascimento de Eça de Queirós, o dia 25 de Novembro, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe que, sob a égide do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares congregue os diversos grupos parlamentares no sentido de ser dado corpo a iniciativas do tipo das adiante propostas, partilhando, assim, a Assembleia da República do espírito das comemorações que temos vindo a assinalar.
1. A organização de um colóquio intitulado «Eça e o Parlamentarismo», onde seja possível proceder-se à análise contrastiva da visão crítica do escritor sobre a vida social, política e parlamentar do seu tempo e da visão crítica que a história da cultura e das mentalidades tem hoje dessa mesma realidade. Para o colóquio seriam convidados especialistas das áreas da história e dos estudos queirosianos e os diversos grupos parlamentares integrariam os painéis dando a sua própria perspectiva sobre a actualidade da crítica queirosiana.
2. A publicação de um livro com o mesmo título, «Eça e o Parlamentarismo», incluindo três partes: a publicação das comunicações apresentadas ao colóquio, a publicação de uma antologia dos textos de Eça de Queirós sobre o parlamentarismo, o Estado e a sociedade, a encomendar a um investigador de uma instituição idónea, e a publicação de comentários dos diversos grupos parlamentares aos textos antologiados.
3. A exibição da exposição «Eça de Queirós - Marcos Biográficos e Literários (1845-1900)», concebida pelo Instituto Camões.
Estas iniciativas e, porventura, outras que venham a ser sugeridas pelos diversos grupos parlamentares, poderão contribuir para que a Assembleia da República assinale condignamente a efeméride queirosiana, de modo a que em relação a estas comemorações não seja possível dizer do Parlamento o que o jovem Eça disse ao dar conta do unânime tédio da opinião pública de então a respeito do