Ora, de acordo com a própria Constituição, artigo 7.º, as relações internacionais do Estado português regem-se pelos «(…) princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos (…)» - incluindo «(…) o direito à insurreição contra todas as formas de opressão», conforme consta do n.º 3, o que sucede claramente em situações de grande conflitualidade interna e de crise generalizada - «(…) da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.». Aqui, fala-se de princípios e não de oportunidades políticas.
Deste modo, os projectos de lei do CDS-PP e do PSD configuram, na prática, uma revisão dos princípios orientadores da política externa portuguesa e sugerem a sua inconstitucionalidade, a coberto de uma dependência total face às decisões e desígnios de organismos internacionais agressivos e imperialistas, como é o caso da NATO.
Por isso, corroborando a necessidade de clarificar os diversos procedimentos relativos a uma eventual decisão desta Assembleia a respeito do envolvimento internacional de forças militares portuguesas e partilhando da opinião de várias das propostas referentes aos mecanismos concretos de acompanhamento por esta Câmara, nomeadamente os procedimentos relativos à obrigatoriedade de informação e fiscalização da Assembleia da República, não podemos, contudo, subscrever o enunciado dos conteúdos políticos propostos, questão, para nós, absolutamente fundamental para determinar o nosso voto.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queremos pronunciar-nos em relação a estas iniciativas legislativas porque elas suscitam e remetem-nos para uma questão concreta, em relação à qual o papel da Assembleia da República tem sido manifestamente subalternizado. E tem sido manifestamente subalternizado porque, independentemente de competir ao Governo decidir envolver ou não, fora do território nacional, as Forças Armadas portuguesas, cabendo-lhe a responsabilidade política dessa decisão, o papel da Assembleia da República se tem quase cingido ou circunscrito, no fundo e simbolicamente, a tomar conhecimento ou, eventualmente, ratificar decisões que lhe escapam em absoluto.
Pensamos que a situação já foi colocada em relação à intervenção militar na Bósnia, pois aquando dessa intervenção, recordo, o Governo, quando ouviu os partidos da oposição - aliás, como é seu dever, cumprindo o estatuto da oposição -, disse ser uma missão que tinha, supostamente, como horizonte temporal o período de um ano, o que não se verificou, tendo-se prolongado no tempo.
A verdade é que nunca o Governo submeteu, de novo, à apreciação da Assembleia da República as razões pelas quais prolongou a permanência de Forças Armadas e de segurança nesse território para além desse período de tempo, a verdade é que a Assembleia da República e, dito isto, os portugueses continuam sem ter uma noção do que custa ao Orçamento do Estado essa presença militar.
O mesmo sucede, concretamente, no caso da intervenção no Kosovo, em que a Assembleia da República é remetida para um papel mais do que acessório. Foi uma intervenção decidida, como todos estamos recordados, à margem das Nações Unidas e sem qualquer mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que é um precedente de enorme gravidade, e, mais do que isso, foi uma missão de Forças Armadas portuguesas fora do território nacional sem que houvesse uma avaliação de riscos, sem que houvesse um conhecimento público desses riscos, e os resultados estão, manifestamente, à vista.
Por isso, parecem-nos importantes todas as iniciativas que possam tentar, por aproximação, clarificar o texto constitucional e remeter-nos para uma discussão que, aliás, no não muito vivo debate verificado aquando da campanha eleitoral, chegou a ser suscitada por alguns dos candidatos, nomeadamente pelo actual Presidente da República, que assumiu que, porventura, o texto constitucional necessitava de clarificação em lei ordinária e essa era uma responsabilidade que caberia a quem tem competência na matéria, ou seja, ao Governo e aos partidos que entendessem fazê-lo. É isso que está a acontecer e, genericamente, parece-nos que este passo é importante, sendo embora limitado, porque, na opinião de Os Verdes, remete para questões que continuam em aberto, como a questão do acesso à informação, que, do nosso ponto de vista, devia caber, com todas as responsabilidades que daí advêm para cada um dos Deputados, a todos os partidos representados na Assembleia da República.
Continuam a ser excessivas as matérias sobre as quais incide o chamado segredo de Estado; o segredo de Estado continua a ser não uma excepção mas uma regra e o acesso à informação, nesta matéria, continua a ser manifestamente insuficiente, como continua a ser grave o facto de não estar definido temporalmente o período durante o qual há reserva de informação ou, pelo menos, reserva pública de divulgação da informação a que, do nosso ponto de vista, todos os Deputados devem ter acesso.
Nesse sentido, os três diplomas em discussão, o que o PSD apresenta no seu agendamento potestativo, a proposta de lei do Governo e o projecto de lei do CDS-PP, que é, no fundo, aquele que tenta, por maior aproximação, tornar mais preciso um conjunto de diplomas, não nos isentam do aprofundamento e da clarificação de outros aspectos que, sendo secundários, estão intimamente ligados a esta questão, como intimamente ligada a tudo isto e à intervenção militar de Forças Armadas portuguesas fora do território nacional está uma discussão mais ampla sobre os seus objectivos, a avaliação dos seus riscos e também a avaliação política daquilo que, eventualmente, significa e dos benefícios que pode ou não trazer.
Pela nossa parte, temos muitas reservas, na maior parte dos casos, quanto aos eventuais benefícios dessas intervenções como formas de construir a paz ou de garantir o equilíbrio noutras regiões. Poder-se-á dizer, e é sempre o exemplo invocado, que Timor é uma excepção, mas essa excepção não confirma a regra, que é a da preocupante militarização da Europa, a da preocupante teimosia em manter formas de intervenção baseadas na força e não na persuasão ou na prevenção de conflitos para garantir o equilíbrio e a paz. Esse é, seguramente, um debate que se mantém em aberto.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Secretários de