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2309 | I Série - Número 58 | 10 De Março De 2001

Mas nem por isso logrou fugir ao embate das marés internacionais, em época de globalização de fenómenos e dificuldades a que nenhum país escapa.
Para além disso, tivemos de gerir dossiers próprios particularmente delicados, como o do adeus a Macau, o da emancipação de Timor, o da presidência portuguesa da União Europeia e o do envio de missões militares portuguesas de defesa e manutenção da paz no quadro de responsabilidades internacionais. E ninguém discutirá o alto sentido de Estado com que o Presidente da República - como, aliás, o Governo - assumiram as inerentes responsabilidades. Digamos, em resumo, que não foi um mandato particularmente isento de dificuldades. Basta qualificá-lo, com verdade, como o da plena eclosão da era planetária, em todas as suas grandezas e misérias.
Os Portugueses não podem queixar-se: arredondaram o Mundo, aí o têm, redondo; quiseram que o próprio Homem se universalizasse, aí o têm, universal; abriram ao Mundo novos mercados, aí os têm, abertos. Estamos no ponto de chegada dessa revolução coperniciana; um Mundo globalizado e um cidadão contraditoriamente autárquico.
Em plena florescência da democracia de opinião, seria sempre impensável que a gestão presidencial fosse totalmente imune a disparidades de apreciação. Uns a terão querido mais interventora, outros menos. Uns mais invasora da esfera governativa, outros nem tanto. Uns a querendo legitimada pelo voto popular, como é, outros a preferindo derivada de uma escolha não directa. Todos, afinal, a desejando mais chegada à sua própria visão das coisas. Em última análise, subsistiria sempre o saudosismo monárquico, convicto da superioridade de um Presidente-Rei.
É esta diversidade de opiniões que faz afinal o encanto da pluralidade e o mérito da democracia e da sua racionalidade simplificadora.
O Presidente da República, enquanto órgão, é o vértice desse arranjo arquitectural. Por recurso à ficção e ao mito, é plural, sendo único. Retomando um velho conceito que resiste à banalização, é - digamo-lo, sem hesitações - a personificação dessacralizada da Pátria. Uma personalidade sem coroa, sem trono, que se disfarça sob chapéus inacreditáveis, bate a sua bola de golfe, faz questão em ser igual àqueles que representa, para mais genuinamente os representar.
Nestes tempos de radicalismo extremado, não faltou sequer a tentativa de apoucar o significado da votação por Vossa Excelência recebida, fazendo apelo à mais estranha aritmética. Vossa Excelência, apesar de ter recebido, logo na primeira volta, mais de 50% dos votos expressos, só teria, na prática, recebido o apoio de cerca de um quarto dos cidadãos eleitores, tendo em conta a abstenção de quase metade destes cidadãos.
Com esta ligeireza (ou este sectarismo?) esqueciam-se duas evidências: a de que é absurdo contar como votos contra os votos de todos os abstencionistas; e a de que a mais generalizada explicação do alto nível de abstenção consistiu exactamente no desinteresse provocado pelo antecipado conhecimento do vencedor. Uma eleição é, em certo sentido, um jogo; da atracção do jogo faz parte a álea inerente ao seu desfecho; e, desta vez, para muitos, não havia álea, não havia jogo. Esta convicção, na medida em que existiu, deve ser levada a crédito do presuntivo vencedor, não ao invés.
Mas a teorização do volume da abstenção deu, apesar disso, azo à exteriorização de preocupações nem sempre destituídas de fundamento! Os níveis de abstenção eleitoral, entre nós e lá fora, têm mostrado tendência para subir.
E mesmo quando não atingem os níveis de outras democracias - incluindo as mais antigas e consolidadas - é grande a tentação de ver nisso um recuo da atracção dos sistemas democráticos, em geral, e do exercício do voto, em especial. Há os que se convencem disso com apreensão e os que constatam isso com gáudio. Mas a ideia de uma crise do sistema representativo parece querer instalar-se nos melhores espíritos. A tal ponto que renasce em alguns a tentação do recurso ao voto obrigatório. Há países que o praticam e grandes espíritos que o reclamam.
Não sem alguma lógica, devo dizer. A nossa própria Constituição define o voto como um direito e um dever cívico. Este sem sanção, como se impunha. Os cidadãos devem, no seu próprio interesse, contribuir - participando - para que se organize e funcione a comunidade política em que se integram. Participar nas despesas gerais, através do imposto. Participar na formação dos órgãos de decisão, através do voto. E participar nas decisões destes órgãos através dos partidos, dos sindicatos, das associações, das universidades, dos movimentos sociais, do exercício do direito de opinião.
Também considero que uma cidadania participativa é a base da democracia. E que, se os cidadãos se desinteressam pela vida pública, a democracia perde o seu fundamento, a sua legitimidade.
Mas nem por isso defendo o voto obrigatório. O interesse pelo bem comum e pela democracia não se decreta!
Isto não significa que devamos cruzar os braços. São cada vez mais visíveis e identificados os verdadeiros inimigos da democracia: são os que realçam os seus defeitos e apoucam as suas virtudes; os que atacam os partidos, esquecendo o seu fundamentalíssimo papel; os que apoucam os políticos, culpando-os de tudo, até das suas próprias culpas. No fundo, saudosos da sua redução à unidade, ou seja, de um ditador.
Combatamo-los com armas de opinião e pedagogia cívica. Rentabilizemos a superioridade das forças do bem sobre as do mal. Da liberdade sobre as da opressão. Começando por corrigir a nossa passividade para lograrmos vencer a abstenção comodista, abúlica, mas não inimiga da democracia.
O Presidente da República é titular da opinião que mais pesa. Eis um campo aberto ao choque de opiniões que não dispensa esse peso-pesado. O seu conselho, neste domínio, deve continuar a ser seguido. O seu exemplo multiplicado.
Jean Jaurés, num discurso célebre dos primórdios da racionalização do poder, disse que a soberania nacional «fez de todos os cidadãos,… pelo sufrágio universal, uma assembleia de reis». Como explicar que tantos deles se recusem a reinar, depondo a arma do voto? «A história…» - advertiu Maquiavel - «…ri-se dos profetas desarmados»!
É claro que o voto não tem de ser, nem é, a arma única dos que desejam participar no exercício do poder. Nas democracias modernas já não enche a alma dos cidadãos o exclusivo direito a poderem votar, de tempos a tempos, e a poderem dizer, em dia de eleições, «hoje o poder sou eu». O grande Vítor Hugo, autor desta afirmação, expres