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0173 | I Série - Número 06 | 28 de Setembro de 2001

 

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Srs. Deputados: Pessoalmente não escondo a relativa insatisfação que este debate me provoca. Gostaria de ver discutido, a propósito de Alqueva, o conjunto, a restruturação fundiária, a reconversão cultural e a defesa ambiental.
O Governo não quis apresentar os seus diplomas aqui, à Assembleia, para termos um pretexto para discutir, e, portanto, estamos…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Era o que faltava!

O Orador: - Não era o que faltava! O Governo não é obrigado a isso, mas o País ganhava, Sr. Secretário de Estado, e, assim, perdeu. O Governo decretou, a Assembleia não discutiu - discute apenas uma parte e é essa parte que estamos a discutir. Repito, ganhava o País.
Estamos a discutir a reestruturação fundiária e, relativamente a isto, gostaria de colocar duas questões, e até de recordar ao Partido Socialista o que é a tradição socialista acerca da questão da rega, que está aqui a ser escandalosamente abandonada com a posição face a este projecto de lei.
A discussão central da história da questão agrícola no Alentejo foi sempre o que fazer com a água que vai regar o Alentejo. Pergunto: a rega implica e exige ou não a divisão da terra como condição de rentabilização económica e social do uso da água? Esta é uma questão histórica. É a questão que Oliveira Martins apresentou no projecto de fomento rural, no fim do século XIX; é a questão que o Eng.º Ezequiel de Campos trouxe ao debate no País nos anos 20 e 30 com a sua obra em prole da divisão da terra com a rega. Oliveira Martins tinha a divisa: «regar, dividir, colonizar». Entendia-se que a rega implicava uma reestruturação fundiária para que as novas culturas pudessem ter uma outra rentabilidade. E não era só um projecto económico, era um projecto social, do ponto de vista de criar uma nova classe média rural que fosse o suporte social dessa nova economia que a rega implicava.
Há uma longa linha, e no Estado Novo houve uma corrente de técnicos agrários que defenderam este projecto, nomeadamente o Ministro Rafael Duque, e que se traduziu na lei de hidráulica agrícola, de 1937, que, como o Sr. Ministro sabe, era uma das leis mais violentamente expropriantes. Só que no Estado Novo a retórica, chamemo-lhe neofisiocrática, não passou de retórica, ou seja, o lobby da grande propriedade fundiária foi politicamente mais forte. Ainda que o próprio Salazar fosse simpatizante das ideias de regar e dividir, porque ele tem uma componente inicial de grande simpatia pelos projectos da rega e da divisão, politicamente ele cedeu sempre ao grande lobby da agricultura. E quando o Eng.º Castro Caldas tenta a última ofensiva do princípio dos anos 50 para aplicar as normas de regar para dividir, respondeu-lhe o Eng.º Pequito Rebelo - grande agrário do Sul, integralista e doutrinário - que nessas propostas de rega se inseria um princípio de socialismo hidráulico, ou seja, que a rega ia dividir a terra e acabar com a grande propriedade fundiária. Pequito Rebelo tinha razão, porque a rega, de alguma maneira, implicava necessariamente, para a rentabilização das novas culturas que pressupunha, para o novo tipo de exploração que implicava, um princípio de divisão.
Muitos doutrinários, até aos anos 50, pensavam que a rega dividiria espontaneamente a terra - é também o ponto de vista do Sr. Ministro da Agricultura. Todavia, considero que a história da questão agrícola em Portugal demonstra que a rega não divide espontaneamente a propriedade. Pelo contrário, o plano de rega do Alentejo, que se tentou nos anos 50 e se iniciou, não teve essa função, permitiu uma certa reconversão da grande exploração do Sul e até uma certa modernização, mas não teve o impacto económico e social da divisão que a rega se propunha a ter espontaneamente. O que significa que, sendo necessário e implicando a rega a divisão, a divisão da terra não é espontânea, tem de surgir por intervenção do Estado.
Este foi o projecto de homens como Henrique de Barros, Mário de Azevedo Gomes, como os grandes doutrinadores socialistas da questão agrária que os senhores esquecem com uma grande facilidade, ao «deitarem borda fora», e até por vezes de uma forma um pouco violenta, a ideia da divisão da terra, porque também nos anos 30 e 40 à ideia da divisão da terra se opôs sempre, por parte da própria democracia-cristã, a ideia da função social da propriedade. E eu ouço aqui, estarrecido, os socialistas defenderem o carácter sagrado da propriedade! Senhores, a tradição social cristã é a defesa da função social da propriedade.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - A propriedade tem uma função social, e, portanto, não é um bem absoluto; deve ser gerido de acordo com um interesse social.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Vejo, estarrecido, a bancada socialista surgir, hoje, como defensora do princípio absoluto da defesa da propriedade. Considero isso extraordinário!

Protestos do PS.

A água não divide espontaneamente, logo deve haver uma política do Estado que apoie as potencialidades de divisão da água. Neste sentido, apoiamos o projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português.
Seguramente, pode discutir-se se a regra dos 50 ha não é demasiado rígida. Também considero que deve admitir-se um princípio de divisão maleável, de acordo com as características das explorações, da terra e dos agricultores. Provavelmente estas regras gerais poderão ser menos razoáveis, mas também já vi o próprio Partido Comunista Português a admitir o princípio da discussão desta mesma regra.
Há é um problema de princípio relativamente à utilização da água, que este projecto contempla, e que, a meu ver, devíamos discutir a partir desse princípio.
Sr. Ministro, permita-me que lhe lembre o seguinte: já houve uma outra altura histórica no nosso país - e permita-me que esteja sempre a falar na história, pois é do que sei falar; do resto nada sei - de grande leilão de terras em Portugal (está ali o Sr. Deputado David Justino a olhar para mim, e ele sabe isto), que foi a venda dos bens nacionais. Por acaso o Estado, nessa altura, não pagou quaisquer indemnizações nem aos miguelistas nem às ordens…