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3376 | I Série - Número 061 | 11 de Março de 2004

 

instalações de uma fábrica. A jornada de trabalho era, ali, de 16 horas diárias e as mulheres ficavam fechadas, para que não tentassem sequer sair da fábrica. Um fogo deflagrou e, não podendo escapar, 146 mulheres morreram carbonizadas. O dono da fábrica viria a ser julgado e condenado a pagar 20 dólares de indemnização - 20 dólares pela morte de 146 mulheres! Era isto que valia a vida de uma mulher em 1911: 13 cêntimos!
Muita coisa mudou desde então. Tudo o que mudou foi conquistado a pulso, pela luta de milhares e milhares de mulheres. O direito ao voto, o direito à voz, o direito ao divórcio, o direito ao trabalho, o direito a sair do país, o direito à educação, o direito ao prazer, o acesso a cargos políticos, nada foi oferecido. E basta olhar para a composição de género das instituições políticas para perceber como ainda há tanto para conquistar. Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, o dia 8 de Março não foi criado para oferecer flores ou galanteios. O dia 8 de Março nasceu como uma luta e uma luta continuará a ser. 13 cêntimos era quanto valia a vida de uma mulher em 1911. E, hoje, quanto valem as mulheres?
Hoje, nesta mesma Assembleia da República, uma associação de fanáticos e fundamentalistas organizou um debate para defender uma mentira sem qualquer credibilidade: que há uma relação de causalidade entre o aborto e o cancro da mama. Pouco interessa que todos os estudos científicos desmintam tal enormidade; o que interessa é assustar.
Mas o mais extraordinário é que a conferencista que tem hoje o desplante de entrar nas instalações deste Parlamento para divulgar crendices é presidente de uma associação australiana que defende explicitamente a desigualdade de oportunidades entre mulheres e homens no acesso ao emprego, que defende que os homens devem trabalhar e que as mulheres devem ficar em casa, e que defende, por exemplo, que as mulheres não são capazes de exercer funções nas forças armadas ou policiais. Esta mesma conferencista, Babette Francis, causou um escândalo no seu país, obrigando uma câmara municipal a pedir desculpas públicas por ter financiado a edição de um livro seu, onde defendia a tal teoria sobre o cancro da mama. O que uma câmara municipal rejeita e denuncia na Austrália tem honras de púlpito na Assembleia da Republica portuguesa.
São estes os grupos que distribuem folhetos aterrorizadores a crianças, invocando o canibalismo em Taiwan e um perigo asiático associado ao aborto, e são estes grupos de fanáticos que têm a maioria PSD como refém.
Quase um século depois, a vida de uma mulher já não vale 13 cêntimos, mas vale mentiras, perseguições e humilhações. A sua dignidade e os seus direitos, no nosso país, pouco valem. Há uma semana, aqui no Parlamento, voltou a ser negado às mulheres o direito a tomarem decisões sobre a sua maternidade. Com o voto impiedoso da direita, as mulheres continuam a estar confinadas, já não a uma fábrica trancada, mas a clínicas de vão de escada e à humilhação de serem investigadas, devassadas na sua intimidade e julgadas e condenadas por abortar. 100 anos depois, ainda há muitas razões para vos dizer, Sr.as e Srs. Deputados, que o 8 de Março não é um dia para dar flores às mulheres.
E essas razões aumentam, porque há sinais preocupantes de regressão. Há poucos dias, a Conferência Episcopal exigiu ao Parlamento que defina o conceito de vida. Ao que chegámos! Há quem queira que o Parlamento decida sobre os debates religiosos ou espirituais, sobre o sentido da vida. Não faltará muito para que alguém nos venha a exigir a criação de uma comissão parlamentar eventual para estudar a ressurreição.
O Parlamento é um órgão de soberania de um Estado laico. O Parlamento não deve, nem vai, discutir concepções teológicas sobre a vida. Essas são do domínio exclusivamente pessoal de cada um e devem ser respeitadas como tal, mas nunca impostas por lei. Registo que todos os grupos parlamentares, com a excepção do silêncio tumular do CDS-PP, rejeitaram de imediato esta intimação.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Intimação?!

A Oradora: - Por isso mesmo, tenho uma mensagem para a Conferência Episcopal e para os Srs. Bispos,…

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Srs. Bispos?!

A Oradora: - … que entendem que, sendo o aborto um pecado, portanto merecedor de penitência, pedem ao Estado que transforme essa penitência num processo e numa ameaça de pena de prisão!
Srs. Bispos: chegámos ao século XXI e é direito da mulher escolher livremente a sua sexualidade e maternidade, sem ser vigiada, nem tutelada, nem perseguida, nem humilhada!
O Parlamento deve ser claro, sim, devolvendo aos portugueses o direito de decidir se as mulheres devem ir presas por abortar ou se o Código Penal deve ser modificado; se devem ser julgadas ou não. É para tratar disso, e não do fim e o do princípio da vida, que fomos eleitos: para decidir que leis nos regem