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3378 | I Série - Número 061 | 11 de Março de 2004

 

Sr.ª Deputada, partilho da sua preocupação evidente em relação a esse folheto, do chamado "SOS Vida", distribuído no final da semana passada, em várias escolas. É um folheto que revela um fanatismo sem nome e um autêntico terrorismo educativo. Evidentemente, estamos consigo e compartilhamos essa sua preocupação - é uma coisa que não pode continuar a acontecer em Portugal.
Mais recentemente, deparámo-nos com outro tipo de fanatismo, pseudo-científico, com a discussão sobre a possível relação entre o aborto e o cancro da mama, coisa que é completamente desmentida por qualquer investigação científica séria. Basta consultar o site do National Cancer Institute, dos Estados Unidos, para verificar que toda a evidência científica, todos os estudos não referem rigorosamente nada dessa Associação, bem antes pelo contrário. Julgo, pois, que não nos devemos deixar tolher e que devemos protestar veementemente contra esse tipo de fanatismo que vem surgindo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Asseguram o bem-estar das crianças e dos mais idosos; harmonizam espaços; ordenam territórios; planeiam recursos; concertam vontades; inventam de novo para não desperdiçar; reciclam, transformando na criatividade dos seus gestos quotidianos o que outros dizem, mas não fazem. São mulheres!
Representam mais de 50% da humanidade; produzem dois terços do total do total do trabalho realizado; ganham 10% dos salários; detêm 1% da propriedade; são a esmagadora maioria dos analfabetos, as principais vitimas da guerra e a maioria dos refugiados.
Na crueza dos números, esta é a telegráfica revelação do traço dominante do estatuto das mulheres a nível planetário.
Uma discriminação que o inconformismo das mulheres tem, em diferentes latitudes e em todo o mundo, enfrentado e obrigado, ao longo de várias gerações de intervenção e luta, a alterar gradualmente.
Uma mudança que, embora lenta, se reflecte na evolução do direito e em importantes documentos aprovados, em vários fora, a nível internacional.
Um património de direitos paulatinamente alicerçado em documentos, como a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, em 1989, um instrumento fundamental para o desenvolvimento dos direitos das mulheres, ou a Declaração para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, em 1993. Alicarçado também em documentos estratégicos, que se articulam com programas essenciais, como a Agenda 21, aprovada na Conferência Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento, no Rio do Janeiro; o Programa de Acção adoptado na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em 1994, no Cairo, este, decisivo para o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e da maternidade enquanto direito e liberdade de escolha responsável e consciente do momento de cada uma ter os seus filhos.
Programas de acção e linhas orientadoras essas, como as definidas na Plataforma de Acção, saída da 4ª Conferência Mundial Sobre as Mulheres, em Pequim, em 1995, todas elas decisivas para a plenitude dos direitos das mulheres, cuja concretização continua, porém, muitíssimo longe de ser concretizada. Ou, dito de outro modo, direitos que são determinantes para o desenvolvimento da sociedade humana, mas que são ignorados em muitos países.
O relatório do Fundo das Nações Unidas para a População assinala relativamente a Portugal um falhanço em relação à corporização dos direitos das mulheres, concretamente aos seus direitos sexuais e reprodutivos, confrontando-nos com a realidade amarga que há poucos dias, aliás, tivemos a hipótese de testemunhar neste mesmo Parlamento ao confirmar a situação altamente preocupante em termos de gravidez adolescente em Portugal, segundo esse relatório de 17%, apenas ultrapassada pelo Reino Unido. Um sinal de que Portugal não cumpre, como devia, os seus deveres em matéria de educação sexual e reprodutiva.
Estas são, pois, para nós, razões acrescidas para que se assinale o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Um dia que não se esgota nos rituais litúrgicos dos discursos com hora aprazada; um dia que não resulta da pretensa tolerância daqueles que, mesmo dentro desta Câmara, ousam afirmar em relação às mulheres que elas podem estar, que ficam bem, que elas até são simpáticas. Um dia que não é, tão-pouco, uma benesse generosa, um dia que nunca será pretexto para que a sociedade consumista dele se possa apropriar, sempre ávida de novos mercados e transformando-o até naquilo que alguns pretendem patrocinar.
O 8 de Março, que hoje e sempre se assinala, é um dia de luta, é um dia de intervenção, é um dia de inconformismo, é um dia que, hoje e cada vez mais, tem de voltar à sua matriz inicial por razões acrescidas no nosso país. Uma luta imperiosa que convoca mulheres e homens que, bem mais do que a linear lógica de igualdade, reclamam, num registo historicamente inédito, o direito do exercício pleno da cidadania pelas mulheres e, desse modo, uma outra redefinição para a democracia. Uma necessidade