I SÉRIE — NÚMERO 22
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Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — O vosso problema é com o 24 de Abril!
O Sr. Presidente (Manuel Alegre): — Srs. Deputados, com a concordância da Mesa, e dado que a sessão começou às 15 horas e 10 minutos, vai haver um ligeiro período de tolerância para dar a palavra a dois Srs.
Deputados que se inscreveram para intervenções de interesse político relevante.
Tem a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Maria de Lurdes Ruivo.
A Sr.ª Maria de Lurdes Ruivo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 25 de Novembro assinala-se o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e temos a oportunidade de centrar a nossa energia na luta contra todas as formas de violência com base no sexo, seja a violência doméstica, a violação, o assédio sexual, a tortura e o abuso infligidos a mulheres detidas ou a violência sobre as mulheres em situações de conflito armado.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência sobre as mulheres é uma das mais vergonhosas violações dos direitos humanos. Não conhece fronteiras, sejam elas geográficas, culturais ou económicas.
Verifica-se tanto em conflitos armados como em tempos de paz, em casa, no local de trabalho ou na rua.
Estamos, pois, perante um fenómeno global.
É importante salientar que a questão da violência sobre as mulheres tem vindo a merecer nos últimos anos uma atenção muito especial por parte de inúmeros Governos, bem como por organismos internacionais, como é o caso do Conselho da Europa ou das Nações Unidas, o que pode fazer parecer que a questão da violência é uma realidade recente, eventualmente provocada pelas alterações sociais que caracterizam o nosso tempo, a que não será despicienda a crescente participação da mulher no mundo do trabalho, bem como a degradação da situação económica verificada em muitos países.
Como todos sabemos, não é assim! A violência sobre a mulher é reconhecida como uma manifestação de desigualdade histórica da relação de poder entre sexos, que resulta do exercício de poder arbitrário do mais forte sobre o mais fraco.
A história da humanidade é uma longa tradição cultural de discriminação negativa da mulher, colocando-a numa relação de subordinação e de inferioridade face ao homem.
O Sr. Jorge Strecht (PS): — É verdade!
A Oradora: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na Europa, até aos finais do século XIX, o marido, em certas circunstâncias, podia bater na mulher, sem que fosse punido. E, até ao início do século XX, o Código Penal não previa castigo para o homicídio cometido pelo homem, por motivos de adultério da mulher, sendo que o inverso não se verificava.
Esta desigualdade gritante teve repercussões na integração social das mulheres e na definição do seu papel histórico. E, durante um longo período, os sistemas jurídicos não ousaram regulamentar a esfera privada da família. Assim se cometeram sucessivos atentados aos direitos humanos das mulheres.
Felizmente, a situação mudou e, hoje, a lei consagra ao homem e à mulher igualdade de tratamento.
Porém, o peso da tradição, aliado a uma prática cultural, nem sempre acompanha a letra da lei — facto que podemos facilmente constatar nos relatórios das organizações internacionais que continuam a mostrar-nos que a violência sobre as mulheres teima em persistir.
Neste sentido, pode ler-se, num relatório da UNICEF, que «Cerca de um quarto das mulheres de todo o mundo é, em algum momento da sua vida, vítima de abusos violentos na sua própria casa».
Também a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 2002, concluiu o seguinte: «A violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos, ultrapassando o cancro, acidentes de viação e até a guerra».
Mas, quando falamos deste tipo de violência, exercida no domínio da vida privada e, designadamente, dos actos praticados por actores privados — no seio da família ou na esfera laboral —, falamos de um campo tradicionalmente refugiado na área privada e escondido num silêncio impenetrável que tem limitado o conhecimento da realidade e dificultado a pesquisa. Deste modo, as estatísticas existentes são escassas e as que existem assentam em relatórios apresentados pela polícia, recolhidos em hospitais ou recenseados através das linhas SOS. E, se é verdade que permitem concluir da existência de violência, torna-se uma verdade mais evidente que há uma subrepresentação do problema, o que nos pode levar a concluir que estamos perante a ponta de um iceberg.
Neste contexto, há um desafio de crucial importância que se nos coloca: conhecer a realidade e acabar com a cortina de silêncio que ainda a cobre.
É que o insuficiente conhecimento e o silêncio conduzem a que se defenda, por vezes com evidente intuito político, a inexistência de situações de violência contra a mulher em determinadas sociedades — bastaria pensar em casos de infanticídio, levados a cabo em certos países asiáticos, ou na excisão praticada,