I SÉRIE — NÚMERO 25
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Esta sessão que hoje realizamos não pode ser meramente simbólica ou apenas um sinal de concertação.
Um dia dos Parlamentos do Conselho da Europa dedicado à violência doméstica, que, como sabemos, atinge directa e maioritariamente as mulheres de todas as idades, independentemente do seu estatuto social, nível educacional ou económico, é importante, mas tem de ter consequências políticas.
É, como vemos e sabemos, um problema europeu que exige dos e das Deputadas uma acção que tem de deixar marcas e reptos de civilidade e compromisso político. O tema é político — repito, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas! Durante décadas, organizações e movimentos sociais, principalmente movimentos feministas e de direitos humanos, trabalharam para retirar a discriminação e a violência contra as mulheres e crianças, do mundo privado das famílias e por dar voz e rosto às vítimas, ao colocar esta barbárie na esfera pública.
O nosso reconhecimento pelo seu trabalho, pelo seu papel, pela sua persistência em colocar na agenda política um tema incómodo no tempo em que ninguém falava de violência contra as mulheres é incontornável e nunca é de mais salientar.
Portugal chegou tarde ao combate à violência doméstica. Há mais de 30 anos que já se trabalhava nesta área em muitos países do mundo e particularmente da Europa, quando as primeiras experiências tiveram início no nosso país. Mas chegámos! O ano 2000 foi particularmente importante, quando esta Assembleia decidiu, por unanimidade e por agendamento do Bloco de Esquerda, que a violência contra as mulheres era um crime público. Foi um impulso decisivo! Hoje, existem leis, serviços, apoios, mecanismos e planos de acção, mas a articulação precisa de ser mais eficaz e mais célere.
Não nos podemos dar por satisfeitos. Ainda estamos longe de ganhar este combate civilizacional.
A denúncia é o único caminho que permite uma sentença condenatória, mas é também ela que nos exige medidas de protecção eficazes, que resolvam o medo, a desvantagem económica, a dependência afectiva e a demora dos processos.
É de direitos humanos que falamos e muito de direitos humanos das pessoas com menor visibilidade, inclusive nos Orçamentos do Estado, embora protagonizem crimes que fazem notícia: as pessoas que são mulheres e crianças.
No entanto, muitas mulheres e crianças não discutem a violência e a discriminação. Pelo contrário: sofrem em silêncio por não terem ninguém em quem confiar, porque lhes está vedado o espaço público ou porque as suas palavras são cultural e afectivamente desvalorizadas.
Que esta sessão parlamentar seja também o assumir do compromisso público e político da Assembleia da República em manter este tema na sua agenda; que seja o compromisso de assumir o seu papel legislativo e fiscalizador; que signifique que chamamos a nós, enquanto representantes eleitos pelo povo português, a obrigação de aperfeiçoar a legislação, acompanhar e fiscalizar o desenvolvimento dos planos nacionais e o compromisso de que, aqui, as vítimas têm voz.
O homicídio conjugal assume uma particular importância no contexto da violência doméstica, no nosso país. Morreram 37 mulheres durante este ano; 37 mulheres assassinadas pelos seus maridos ou companheiros. Muitas agressões não resultaram em morte, mas podiam ter resultado, tal foi a sua brutalidade.
Esta é a imagem mais cruel, mas arrasta, na sua sombra, inúmeras consequências, e bem profundas, na vida de milhares de pessoas, com reflexos a nível social, na saúde, nos estudos, a nível profissional e económico.
O combate à violência não é da exclusiva responsabilidade das vítimas; é tarefa de todos, das mulheres e, cada vez mais, também dos homens. É, sobretudo, um desígnio da democracia.
Aplausos do BE, do PS, do PSD e do CDS-PP.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As mulheres são muito maioritariamente vítimas da violência doméstica.
Um dia, por uma razão, se calhar já previsível ou não, um estalo ou um valente empurrão é infligido sobre a mulher, no calor da discussão. Do estalo, que deixou a mulher boquiaberta, não leva tempo a que o agressor, entre as infinitas desculpas pedidas e as promessas de que nunca mais voltará a acontecer, perceba que o poder da violência deu algum resultado, nem que seja para a sua auto-estima. Daí ao recurso regular à violência é um passo.
Na cabeça da mulher a turbulência e o medo nem deixam pensar. E, quando há filhos, a primeira preocupação será esconder essa situação, fazer tudo para que nunca se apercebam. Esconder o medo, esconder o pavor, fingir que nada aconteceu, jurar, até para si própria, que nunca mais deixará que algo parecido lhe aconteça. E, quando percebe que o acto isolado que lhe matou a dignidade passa a acto