I SÉRIE — NÚMERO 30
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O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Os direitos dos cidadãos e cidadãs englobam, hoje, século XXI, várias dimensões. Da nossa parte, Bloco de Esquerda, aceitamos este desafio, de aprofundar e alargar os direitos das pessoas. Só assim responderemos ao desafio da modernidade e de uma época em que as políticas devem assentar numa perspectiva humana, de cada pessoa individualmente, mas também numa perspectiva humanizada, tendo em conta os interesses das pessoas, enquanto colectivo.
Olhar a política deste prisma, e não simplesmente do prisma neoliberal, economicista e rendido ao valor máximo do lucro, é o desafio da verdadeira esquerda moderna.
O Governo e o Primeiro-Ministro bem se esforçam em reclamar para si a tutela única da esquerda moderna, mas terão de reconhecer que as suas políticas não vão nesse sentido.
Vem isto a propósito da abordagem dos direitos das pessoas englobados em políticas sectoriais.
Falemos, então, da política do Governo no sector dos transportes e da mobilidade das populações.
É um desafio da esquerda moderna ter políticas concretas que respondam à organização da vida das pessoas nas grandes cidades e metrópoles, mas que também não esqueçam a tão falada coesão territorial, que tem de chegar ao interior e a todas as populações.
O acesso ao transporte público e a mobilidade, entendida como direito democrático, não podem ser vistos desligados do horário e tempo de trabalho, do direito colectivo ao lazer, da conciliação da vida profissional e familiar, frase tão em voga, mas perfeitamente oca, se não for encarada como um meio para acabar com a dupla jornada de trabalho das mulheres.
Nas grandes metrópoles, a deslocação das pessoas de casa para o emprego e vice-versa é, hoje, para mal das nossas vidas, em si própria, mais uma jornada de trabalho.
Segundo um estudo recente, Lisboa é a capital da Europa com maior tempo de espera pelos transportes públicos. Não será difícil estudar o tempo de espera nas principais vias de acesso a Lisboa.
Mas falemos de questões muito concretas, inimigas da mobilidade.
Refiro-me, desde logo, à conclusão da Circular Regional Interior de Lisboa. O anunciado acordo entre os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa, Amadora e Odivelas, sob os auspícios do Governo, para um projecto que permita o desejado fecho da CRIL, tem a particularidade de, ao fim de treze anos de impasse, persistir nos graves erros que têm suscitado as maiores preocupações das várias populações afectadas pelo atravessamento desta circular rodoviária.
Na verdade, se a CRIL é uma circular regional e a sua função é precisamente fazer escoar o trânsito que chega a Lisboa, evitando as já sobrelotadas vias habituais, não se compreende a insistência na criação tanto do nó da Damaia/Santa Cruz de Benfica como do nó de Alfornelos. Estes nós induzirão o aumento substancial de fluxos rodoviários em bairros consolidados, incapazes de suportar mais pressão automóvel, e poderão provocar um maior congestionamento da própria CRIL, que, assim, perderá a sua função de circular regional, que teria, obviamente, como objectivo principal, vencer distâncias mais longas em tempos mais curtos.
Também não se compreende por que razão o acordo prevê que o traçado da CRIL tenha três curvas acentuadas, quando a passagem em linha recta, entre a Buraca e Alfornelos, pelos terrenos da Quinta da Falagueira, permitiria poupar cerca de 1 km de estrada e respeitar elementares normas de segurança.
Mas, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, para estes terrenos estão previstos grandes projectos de urbanização da Câmara Municipal da Amadora, em conjunto com interesses privados. São eles, afinal, que determinam o traçado da CRIL, quando deviam ser os interesses das populações.
Aplausos do BE.
Além disso, os impactes negativos, ao nível da poluição atmosférica e sonora, são inaceitáveis e o emaranhado de nós rodoviários e IC que rodeará os bairros, com vias de circulação de várias pistas e de velocidade elevada, tenderá a fragmentar o tecido urbano que, ao contrário de ficar «guetizado», precisa de consolidação e requalificação.
O caso de Alfornelos é paradigmático: de acordo com o projecto actual, esta localidade ficará entrincheirada por vias rápidas (CRIL e prolongamento do IC16), tornando infernal a vida quotidiana desta população.
Igualmente grave é o facto de esta proposta insistir na criação do nó da Damaia/Santa Cruz de Benfica, obrigando, para isso, à subida da parte superior do túnel nesta zona, criando um paredão de mais de 5 m de altura, que vai cortar a comunicação diária entre estas populações, além de todos os constrangimentos ao nível da poluição sonora e do restante impacto na paisagem.
Finalmente, é também motivo de estupefacção o facto de o Governo e as Câmaras Municipais de Lisboa, Amadora e Odivelas terem anunciado o referido acordo como se se tratasse de uma proposta que agrada às populações, populações essas que não foram ouvidas e que foram apanhadas completamente desprevenidas face ao anúncio do acordo, motivando já diversos protestos e abaixo-assinados.