33 | I Série - Número: 051 | 22 de Fevereiro de 2007
O Orador: — Matriz que — reconheça-se e preste-se homenagem — muito se deve ao labor, à investigação e ao talento internacionalmente reconhecido de Figueiredo Dias e da escola e do escol que tão carismaticamente continua a liderar.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Bem lembrado!
O Orador: — O PSD congratula-se não apenas com a proposta do Governo, apesar da sua extensão um tanto imoderada, mas também com os contributos que o CDS-PP, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista «Os Verdes» em boa hora resolveram aqui trazer.
Ao contrário do que por vezes se alardeia, nunca o PSD defendeu o pacto de regime para a justiça com o intuito excludente ou segregacionista.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Em matéria processual penal e em matéria penal, sempre defendeu, quer quando era governo quer mais explicitamente na oposição, que a sede parlamentar seria impreterivelmente o lugar de eleição para vir a receber outros contributos, operar as necessárias negociações, estabelecer, sem peias nem tabus, os compromissos indispensáveis ao aggiornamento da ordem penal.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem!
O Orador: — E, assim, só para dar dois exemplos — um de discordância e outro de abertura —, o PSD tem claramente de rejeitar, uma vez mais, a sempiterna proposta do CDS-PP para baixar a idade da imputabilidade para os 14 anos, mas está disposto a discutir, sem preconceitos e prejuízos, o texto que Os Verdes agora adiantam para a revisão do Código Penal em matéria ambiental.
Uma parte importante das propostas do PSD, no domínio estritamente penal e ao contrário do que sucede no processo penal, é ditada por instrumentos jurídicos internacionais, que brotam da União Europeia e das suas decisões-quadro, do Conselho da Europa e das suas convenções ou protocolos adicionais, das Nações Unidas e das suas convenções ou protocolos.
Num mundo global, onde a fenomenologia criminal se organiza em redes e em teias à escala universal e regional, Portugal não pode furtar-se a adoptar os mecanismos internacionais e europeus de resposta e reacção ao crime.
É assim, designadamente, no tráfico de pessoas, seja para exploração do trabalho, seja para exploração do sexo nas suas variadas formas (prostituição, pornografia, etc.) e seja, em particular, no caso das crianças e no caso das mulheres.
É assim também para a protecção contra a contrafacção dos meios de pagamento, da moeda e contra a corrupção.
É assim — digo-o com particular e, espero, desculpável orgulho, pois participei directamente em tais trabalhos e no estabelecimento de um consenso entre Malta, Chipre e Grécia e os restantes membros da União — no combate à poluição marítima, especialmente depois do calamitoso caso Prestige.
É assim ainda, mas ficará para mais tarde e para outra voz, no caso da mediação penal.
Outra parte de leão das propostas do PSD diz respeito às consequências jurídicas do crime, ao movimento de diversificação das penas, seja no sentido de fomentar o uso das penas alternativas já previstas seja no sentido de criar ou de descobrir novos instrumentos sancionatórios mais eficazes e mais adequados àquilo que classicamente se chama os fins das penas.
Não é este o momento de discorrer, filosófica e dogmaticamente, sobre o tema, mas o desvalor das penas associado à prisão e à aplicação de multas está demasiado ligado à ideologia liberal-iluminista dos séculos XVIII e XIX e não pode nem deve continuar a gozar de centralidade em pleno século XXI.
Para dar um simples exemplo: a privação da licença de conduzir durante 10 anos é hoje capaz de infligir maior dano e sofrimento a um virtual criminoso do que a privação da liberdade por 6 meses. Com efeito, a mobilidade (a mobilidade rodoviária) — constituindo uma óbvia dimensão da liberdade e da liberdade física — é hoje um valor autónomo, cuja privação consubstancia, só por si, um mal (um mal suficientemente grave para poder ser visto como uma pena, uma pena autónoma e não uma simples sanção acessória).
O mesmo vale para a interdição de certas actividades profissionais ou do exercício de certas profissões ou de acesso a certos locais ou espaços ou categorias de espaços.
Numa sociedade em que os valores são já outros — e estão muito para lá da liberdade e propriedade, freiheit und eigentum, oitocentista —, numa sociedade em que, consensualmente e por indeclinável tradição humanista, se visa sempre a protecção da comunidade, mas também a reinserção e reintegração do delinquente, não nos podemos alhear da discussão em torno das novas penas, das novas formas da sua execução, das novas figuras processuais.
Eis todo um novo mundo penal, político-penal e jurídico-político, eis todo um mundo de problemas e de soluções que, mais tarde ou mais cedo, terá de concitar a atenção deste Parlamento.