11 | I Série - Número: 009 | 12 de Outubro de 2007
É assim que a maioria PS, nesta Assembleia da República, impôs a aprovação de uma lei de financiamento da rede rodoviária (publicada a 31 de Agosto), determinando que este seja assegurado pelos respectivos utilizadores. Como? Com a aplicação da tal «contribuição de serviço rodoviário» que, ainda por cima, não é contrapartida nenhuma ao uso das estradas nacionais, porque é paga em função do combustível gasto.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente! O Sr. Bruno Dias (PCP): — Trata-se de uma clamorosa manipulação das contas do Orçamento do Estado, com a transferência — ou, melhor dizendo, com a consignação — de receitas do ISP para a Estradas de Portugal, determinada pela obsessão do défice relativamente ao qual se pretende uma desorçamentação de cerca de 0,3%.
Mas o Governo e a maioria PS vão mais longe e determinam que «a exigência da contribuição de serviço rodoviário não prejudica a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso pela Estradas de Portugal a outras formas de financiamento».
Entretanto, o Governo anuncia a aprovação, em Conselho de Ministros, de dois novos diplomas, respectivamente em 16 de Agosto e 27 de Setembro.
Com o primeiro decreto-lei, o Governo transforma a Estradas de Portugal em sociedade anónima, anunciando promover «maior aproximação ao mercado». Com o segundo decreto-lei, o Governo atribui a essa «nova» sociedade anónima a concessão do financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
O eufemismo da figura de «concessão» não esconde a efectiva privatização das estradas do País, patente no prazo da concessão até 2099 — os Srs. Deputados ouviram bem, até 2099! — e na entrada do capital privado, para já em 50%, no capital social da nova empresa.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Um escândalo!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Com esta política e estas decisões, o Governo põe em causa a concretização do Plano Rodoviário Nacional, já considerado pelo Governo como «excessivamente ambicioso» e entrega aos grupos económicos que já hoje controlam a rede de auto-estradas o resto da rede viária. Mas entrega também, indirectamente, às grandes empresas de construção civil a monopolização do mercado das obras das grandes infra-estruturas públicas.
A filosofia neoliberal que justifica tal decisão vê a rede viária nacional como uma estrutura que apenas interessa aos que nela circulam, subvertendo a sua importância estratégica e nacional. É mais uma vez o interesse nacional que é posto em causa, é mais uma vez o nosso futuro colectivo que é penhorado ao sabor dos grandes interesses da alta finança.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É uma nova e gravosa peça na privatização de um conjunto de empresas públicas de serviços essenciais e redes de infra-estruturas únicas que correspondem a monopólios naturais, como a REN, a rede de cobre da PT, a ANA, os silos e infra-estruturas portuárias, a rede de auto-estradas e importantes pontes, preparando-se a já anunciada privatização da DOCAPESCA. Sobra — até ver! — a rede de caminhos-de-ferro da REFER e os CTT, ambos em acelerado processo de liberalização.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 1481, ano da morte do rei D. Afonso V, havia nobres que possuíam mais terras do que a própria Coroa. E as benesses dadas à nobreza ascendiam a tal monta que o seu sucessor, D. João II, proferiu um desabafo que ficou para a História: «Meu pai deixou-me rei das estradas de Portugal».
Com a política deste Governo, o povo português arrisca-se a dizer, um dia, que nem as estradas escaparam. Mas este submisso afã de entrega do património público — que é de todos! — às novas aristocracias do capital financeiro terá, seguramente, a resposta e a condenação dos trabalhadores e das populações. E a firme oposição do Partido Comunista Português.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Dias, acompanhamos a preocupação do Partido Comunista Português em relação ao modelo que institui a Estradas de Portugal: privatização. Trata-se de uma privatização muito especial, por ser encapotada e com uma espécie de imposto consignado à cabeça, o que faz do povo português um contribuinte directo para um monopólio privado. Ainda por cima, trata-se de uma engenharia privatística interessante, porque sabe-se que a Brisa tomará a parte do leão, mas já se vê que a cria é o Grupo Mello (que está por trás).
Portanto, há aqui um «parto sem dor» numa privatização, toda ela «acolchoada» neste contributo do povo