11 | I Série - Número: 015 | 9 de Novembro de 2007
É o Orçamento em que o Governo, com a mais descarada falta de vergonha, vem vangloriar-se de cumprir e, imagine-se, até de ultrapassar, os objectivos decorrentes da sua obsessão pelo défice orçamental, quando sabe que isso provocou o empobrecimento, o desemprego e a degradação das condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Mas este debate teve a virtude de pôr a nu que a imagem de credibilidade e transparência orçamental, de que o Governo e, em especial, o Ministro das Finanças gostam de se arrogar, não existe.
O Governo não deu nenhuma resposta satisfatória à questão da Estradas de Portugal e da sua ausência do Orçamento para 2008. O Primeiro-Ministro chegou mesmo a dizer que a Estradas de Portugal constava da rubrica Fundos e Serviços Autónomos, o que é mentira, como, aliás, confirmou o Ministro das Finanças no dia seguinte.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Exactamente!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sucessivamente questionado, o Governo não explicou qual é o plano de investimentos da Estradas de Portugal e que projectos estão previstos, qual é a despesa com pessoal, qual é o montante com que contribui para o défice esta empresa ou como vai ser financiada, para além da fatia dos impostos que recebe. O Governo quer simplesmente varrer a Estradas de Portugal para debaixo do tapete.
Bem o percebemos.
Como a negociata em preparação é de tal forma absurda e escandalosa, é preciso escondê-la dos portugueses. É preciso esconder a manobra de entrega ao sector privado da rede de estradas nacionais, um monopólio natural, por um prazo até 2099, o único que se conhece até agora, suportada com receitas dos nossos impostos e com a possibilidade de imposição de portagens em itinerários complementares (IC) e itinerários principais (IP). O Governo quer garantir um negócio estável e sem risco ao Grupo Mello para o resto do século XXI.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Aliás, já estão a cartelizar!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Entretanto, este ano, também desapareceu do orçamento a REFER, constando as verbas para equipamentos para a infância e para os idosos num insindicável programa PARES, depois de, em anos anteriores, já termos deixado de ter a maioria dos hospitais e, quem sabe, no futuro, as fundações que o Governo quer impor no ensino superior. Por este andar, qualquer ano destes limitamo-nos a discutir as resmas de papel gastas no Ministério das Finanças.
Vozes do PCP: — Exactamente!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é, sem dúvida também, o Orçamento da continuação de elevados níveis de desemprego no nosso país. O Governo reviu em alta as suas previsões para o desemprego, mesmo que procure disfarçar a gravidade da situação com contorcionismos estatísticos, que, aliás, utilizam termos de comparação não homólogos.
Por detrás dos eufemismos da «criação líquida de emprego» ou da «contenção do ritmo de crescimento do desemprego» está uma realidade incontornável: é que o desemprego aumenta e está no mais alto nível das últimas décadas. Mais: ao desemprego junta-se uma crescente precariedade dos vínculos laborais, na Administração Pública e no sector privado, que o Governo pretende ainda aumentar. Mais valia ao Sr. Ministro do Trabalho passar a chamar-se «ministro do desemprego e da precariedade».
O Governo consegue, entretanto, a proeza extraordinária de, aumentando o desemprego, diminuir o número de trabalhadores com acesso ao subsídio de desemprego. Entre Março de 2006 e Junho de 2007, diminuíram em 42 000 os trabalhadores desempregados com direito ao subsídio de desemprego, passando a taxa de cobertura de 57% para 46%, devido à alteração à lei feita pelo Governo PS. É de uma chocante insensibilidade social.
Entretanto, o Governo continua a penalizar os salários dos trabalhadores da Administração Pública, ao aumentá-los em linha com uma inflação prevista que, provavelmente, não será a efectiva, como não foi em anos anteriores. E isto apesar de estes trabalhadores estarem a perder poder de compra há vários anos, cifrando-se aquela em 10% e apesar de o Primeiro-Ministro ter anunciado há umas semanas que, em 2008, começariam a recuperar o poder de compra. Foi o que se viu.
O mesmo se diga acerca dos trabalhadores do sector privado, designadamente no que toca à importantíssima questão do salário mínimo nacional.
O compromisso assumido pelo Governo (o tal que, um ano antes, o Primeiro-Ministro qualificava como irrealista e fantasioso) implica que, já em 2008, a subida do salário mínimo tem de ter concretização proporcional ao que é o objectivo para 2009, isto é, pelo menos metade desse mesmo objectivo.