25 | I Série - Número: 050 | 21 de Fevereiro de 2008
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD traz hoje à Assembleia da República o tema do arrendamento urbano, certamente preocupado com a falta de eficácia do Novo Regime de Arrendamento Urbano. É bom que recordemos que existe uma perspectiva consonante nas bancadas da direita no que toca a regimes de arrendamento. Aliás, o próprio governo PSD/CDS-PP apresentou nesta Assembleia, dias antes da sua queda, as suas propostas para o regime de arrendamento…
O Sr. António Carlos Monteiro (CDS-PP): — Nós queremos que haja arrendamento, ao contrário dos senhores!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — … e as linhas mestras desse regime não eram significativamente distintas daquelas em que actualmente nos movemos.
No essencial, a direita junta-se em redor da defesa da parte mais forte da relação contratual do arrendamento: a do senhorio, proprietário. A submissão política, quer deste quer do anterior governo, às regras do mercado conduziram a uma confiança cega nos seus mecanismos e não produziu os efeitos que a direita e o Governo esperavam.
A obsessão pela auto-regulação do mercado, no entanto, tem-se demonstrado um erro em que tanto o CDS como PSD e o PS persistem. O direito à habitação foi transformado num gigantesco mercado, onde o que menos importa é exactamente a garantia do direito à habitação ao encontro do que estabelece a Constituição da República Portuguesa.
Existem actualmente cerca de 650 000 fogos devolutos, dos quais apenas 180 000 se encontram à venda.
Cerca de 2 250 000 fogos carecem de reparações médias, grandes ou muito grandes. Em 1981, 39% da habitação correspondia a arrendamento e apenas 52% a propriedade. Em 2006, apenas 18% correspondem a arrendamento e o restante a propriedade. As famílias portuguesas têm níveis de endividamento superior a 124% do rendimento. Estes números mostram bem os resultados das opções dos governos ao encontro da sacralização do mercado. Os grandes interesses económicos são os primeiros a lucrar com a actual situação, nomeadamente a banca e outros interesses obscuros que se movem por detrás de cada edifício devoluto e por cada espaço sob a pressão da especulação imobiliária. Existe um estímulo objectivo para a compra e para o recurso ao crédito que acentua a irracionalidade da construção desmesurada e do crescente número de fogos devolutos, com os custos económicos para o País que daí advêm.
O actual estado do arrendamento urbano em Portugal é o reflexo de uma política de satisfação dos desejos dos grandes proprietários, dos grandes grupos económicos e da banca, encostando mesmo à parede os pequenos proprietários e promovendo uma política de acumulação patrimonial e uma reserva habitacional degradada, particularmente nos centros urbanos, deslocando as famílias cada vez mais para as zonas periféricas das cidades, acrescentando novos custos em transportes para os necessários e esgotantes movimentos pendulares de casa/trabalho, trabalho/casa.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É o próprio Governo que remete o problema da habitação para o plano do mercado, retirando-o do plano dos direitos. Assim, o Governo demite-se da sua intervenção numa área intrinsecamente ligada a uma dimensão social, agindo apenas no plano assistencial. É o próprio Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local que afirma que o Governo se limitará a «seguir as reacções do mercado e a experiência de outros países no que toca ao combate ao abandono de prédios». Resta saber quem orienta o mercado e assim ficaremos a saber quem orienta o Governo.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Mesmo no que toca ao combate ao abandono e à proliferação de edifícios devolutos, importa perguntar o que tem sido feito. Que mecanismos de limitação à especulação imobiliária têm sido criados? Quantas obras coercivas foram de facto levadas a cabo e, mais importante, que condições foram