26 | I Série - Número: 050 | 21 de Fevereiro de 2008
efectivamente dadas às autarquias para que pudessem intervir? Quais os reflexos fiscais, nomeadamente no IMI da propriedade habitacional devoluta? Se, por um lado, a habitação assenta num mercado, o Governo não pode deixar de reconhecer e salvaguardar a sua componente social. A situação criada actualmente, com a política do Governo e a cumplicidade das forças da direita, caracteriza-se claramente por um desincentivo ao arrendamento (do que é exemplo óbvio o Porta 65), mas também por uma desprotecção da parte mais fraca dos contratos de arrendamento, a do arrendatário. Já agora, aproveitamos para acusar a Juventude Socialista que, no terreno, critica frontal e abertamente o programa Porta 65 e depois vem aqui, afinal, «puxar-lhe o brilho» e dizer que é essa maravilha que vai resolver o problema da juventude!
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Confrontados com uma situação pouco compensatória no plano fiscal, muitos senhorios decidiram não actualizar os valores patrimoniais mas proceder a aumentos das rendas baseados em negociação directa com os inquilinos. Isto significa que um número de rendas muito maior do que aquele identificado no registo informático sofreu de facto aumentos. Mas significa também que estão a ser levados a cabo aumentos de rendas sem nenhuma cobertura legal e onde, certamente, a parte mais frágil do contrato é a mais afectada.
As comissões arbitrais municipais, estabelecidas na própria lei e apontadas como um instrumento central para o seu cumprimento, ainda hoje não funcionam na esmagadora maioria dos municípios portugueses e não existe uma resposta capaz e eficiente por parte dos organismos públicos, quer no que toca à aplicação da lei quer à divulgação necessária para o seu cumprimento. Uma vez mais, é beneficiado quem detém a posição mais forte, que acaba por aumentar as rendas contornando os mecanismos previstos na lei.
Dizia o Governo, quando aqui apresentou a proposta de lei do Novo Regime de Arrendamento Urbano, que «o bloqueamento do mercado de arrendamento tradicional teve por contrapartidas a especulação dos preços dos novos arrendamentos e a decadência dos centros urbanos, progressivamente insalubres, desertificados e inseguros.» E dizia também: «não se trata de uma iniciativa isolada, será completada por um programa de acção legislativa que (…) integra um conjunto de medidas complementares» para a dinamização do arrendamento. Se o Governo se referia então a medidas como o Porta 65, valia mais ter ficado quieto!
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Ao fim de dois anos de Novo Regime de Arrendamento Urbano, persistem os problemas essenciais com que se cruzam inquilinos e senhorios, reinam a inoperância da fiscalização e da observação do Estado e a desregulamentação e continua a desenvolver-se uma política de gestão territorial completamente submissa aos interesses da construção e do crédito hipotecário, em detrimento da dinamização do parque habitacional existente.
É urgente criar uma política de ordenamento do território e da habitação capaz de harmonizar a organização urbana com as necessidades das famílias e orientada sempre para o incremento do bem-estar e da qualidade de vida. É urgente romper com a promoção sistemática do crédito hipotecário e estimular verdadeiramente o arrendamento regulado e salvaguardando a estabilidade necessária.
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — É urgente a intervenção do Estado e a promoção de métodos alternativos de construção e garantia do direito à habitação, nomeadamente através do estímulo à construção a custos controlados e à autoconstrução.
Passados dois anos sobre a aprovação da lei do Novo Regime do Arrendamento Urbano, verificamos que os inquilinos estão num regime mais instável e mais incerto.
Só uma política que assuma como principal objectivo o cumprimento do direito à habitação, ao invés do funcionamento do mercado, poderá pôr fim à actual situação de especulação em torno dos valores das rendas