38 | I Série - Número: 064 | 28 de Março de 2008
Declarações de voto enviada à Mesa, para publicação, relativas a: 
Votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 485/X. 
Pedi superiormente autorização para votar contra o projecto de lei n.º 485/X, do Bloco de Esquerda, que 
cria o regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges. Tendo sido a única Deputada do PS a votar 
contra, julgo dever explicar melhor a minha posição. 
Os Deputados do BE vêm insistindo há anos no divórcio unilateral. Em Maio de 2007, como lembram agora 
no projecto de lei acima referido, não faltaram acusações ao Bloco de Esquerda — que queria liberalizar o 
casamento ou mesmo acabar com ele, que propunha «o divórcio na hora». Afirmaram eles também, por 
exemplo, que se trata «da mais importante proposta de modernização do direito de família desde 1975». 
Entretanto, foi criada na Assembleia da República, com a reforma do Parlamento, a Subcomissão da 
Igualdade de Oportunidades e Família, à qual pertenço, e estranho este assunto não ter sido aí presente. 
Por outro lado, no aspecto jurídico do actual projecto de lei, cito o Juiz Pedro Vaz Patto no artigo O Divórcio 
Unilateral e a Sociedade sem Vínculos (…) «não se trata de qualquer progresso. Será, antes, o culminar de 
uma progressiva descaracterização do próprio casamento e do próprio direito da família (…). O casamento 
passará a ser, talvez, o mais instável e precário dos contratos, mais do que um contrato de trabalho ou de 
arrendamento (…) Daqui à abolição do próprio casamento, à sua irrelevância jurídica, o passo é muito 
pequeno. O divórcio começou por ser encarado como uma sanção contra o cônjuge que violou gravemente os 
seus deveres conjugais (…). Com o divórcio unilateral, aquilo que começou por ser uma sanção contra quem 
viola os deveres conjugais acaba por ser um prémio para o infractor. Sempre se considerou um progresso 
civilizacional, reflexo da influência cultural do cristianismo, a abolição da figura do repúdio, que permitia ao 
marido a desvinculação imotivada dos seus compromissos conjugais. Com o divórcio unilateral, pode dizer-se 
que renasce das cinzas tal figura. Dir-se-á que se trata, agora, de um direito de qualquer dos cônjuges, e já 
não apenas do marido. Mas, di-lo a experiência e também vários estudos, é, na maior parte dos casos, a 
mulher a sofrer as consequências nefastas (no plano económico, psicológico e afectivo) da ausência de 
vínculos e do abandono conjugal. Nas famílias monoparentais, o progenitor ausente é sempre o pai. Nunca 
houve tantas mulheres sós e pobres (…).» 
Como historiadora, verifico que os proponentes têm uma visão histórica muito restrita no documento em 
questão e em outras declarações. Sobre o aspecto histórico, cinjo-me agora à obra laica e abrangente (em 2 
volumes) Histoire de la Famille, sob a direcção de André Burguière, Christiane Klapisch-Zuber, Martine 
Segalen, Françoise Zonabend, ed. Armand Colin, Paris, 1986, com prefácio de Claude Lévi-Strauss. Este 
antropólogo social escreve aqui (pág. 11): «La tendance générale est aujourd’hui d’admettre que la «vie de 
famille», au sens que nous-mêmes donnons à cette locution, existe dans l’ensemble des sociétés humaines. 
La famille, fondée sur l’union plus ou moins durable mais toujours socialement approuvée d’un home et d’une 
femme qui se mettent en ménage, procréent et elèvent des enfants, serait, affirme-t-on souvent, présente dans 
tous les types de sociétés.» Havendo excepções, escreve na pág. 12 que: «la famille conjugale y semble trés 
frequente et que, partout où sa forme s’altère, on a affaire à des sociétés dont l’évolution sociale, politique, 
économique ou religieuse à suivi un cours particulier.»  
A Histoire de la Famille abrange desde a pré-história à época actual, referindo numerosas civilizações e 
diferentes continentes. Por exemplo, a propósito da antiga civilização egípcia, onde era prática o repúdio por 
parte do homem e da mulher, são já largamente admitidos os sentimentos pessoais de ambos. 
Jock Goody, prefaciador do 2.º volume da Histoire de la Famille, que trata da modernidade, escreve na pág. 
12 «… en Chine rouge ou en Union Soviétique, les assouplissements apportés aux législations familiales dans 
les débuts du régime ont été ensuite modifiés, en partie pour des raisons politiques, en partie pour répondre à 
des aspirations populaires généralement partagées; des rituels laïcs se sont développés autour du mariage, et 
le divorce comme l’avortement ont rencontré de plus en plus de difficultés.» 
Na pág. 13, escreve o mesmo autor: «Des gouvernementes du monde occidental ont adopté une ligne 
différente en vue de maintenir une stabilité relative de leur population et on même offert des allocations 
spéciales aux familles nombreuses.» 
Quando se invocam o repúdio, o divórcio, o aborto, como sendo modernos e de esquerda, é interessante 
vermos a antiguidade milenar destas práticas e as flutuações recentes que diversos condicionalismos lhes 
imprimiram, como, por exemplo, a Histoire de la Famille objectivamente refere, e conforme transcrevi.