8 | I Série - Número: 070 | 11 de Abril de 2008
A Natália gastava mais em fotocópias e em gasolina do que aquilo que ganhava pelas aulas que dava. Não tinha férias, não tinha subsídio de desemprego, recebeu alguns meses com atraso e estão como ela centenas de professores. Aguentou-se até ao final do ano por respeito e amizade pelos miúdos, mas, no fim, desistiu e, há pouco tempo, enviou-nos um e-mail da Polónia, onde está a tentar uma vida decente.
Esta história de «recibos verdes», infelizmente, também não é só da Natália. Passa-se com jornalistas, com professores, com técnicos do Estado, com arquitectos a trabalhar em escritórios, com profissionais das artes do espectáculo, com gente de todas as profissões.
É este, verdadeiramente, o paradoxo do modelo económico nacional. A geração mais qualificada de sempre é a mais explorada e com piores direitos sociais. Somos a «geração dos 500 euros» e há, em Portugal, mais de 900 000 pessoas que trabalham a «recibo verde», mas a sua maioria são, na verdade, trabalhadores por conta de outrem.
O falso «recibo verde» é um símbolo maior da precariedade.
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Há, em Portugal, 900 000 pessoas que não têm subsídio de desemprego, se ficarem sem trabalho, que não são, sequer, despedidas, pois cessa apenas a prestação de serviços. Não é preciso, sequer, haver justa causa, porque não é preciso, sequer, haver causa!...
Há, em Portugal, 900 000 pessoas que não podem ficar doentes, porque o «recibo verde» não lhes permite!...
Há, em Portugal, 900 000 pessoas que não podem ser pais nem mães, porque com «recibos verdes» não há licenças!...
É o próprio Governo que incentiva esta precariedade! É o Partido Socialista que a promove. Foi assim quando se discutiu o estatuto dos intermitentes e é assim na função pública. O Estado é o primeiro prevaricador! Há 117 000 precários na Administração Pública: no Instituto Português de Museus, no Ministério da Cultura, nas Novas Oportunidades, nos hospitais públicos, em todo o lado. O Governo é o maior patrão de precários em Portugal! É por isso que, sendo o Sr. Ministro do Trabalho directamente responsável por esta situação, de nada valem os anúncios que vai fazer dentro de minutos, continuando, aliás, a súbita «preocupação» dos últimos dias, com o empenho do Governo em combater os falsos «recibos verdes». Enquanto existirem dezenas de milhares de pessoas a trabalhar para o Estado com falso «recibo verde», as suas declarações valem o que valem: zero!
O Sr. Luís Fazenda (BE): — Muito bem!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — O Governo não tem credibilidade para dizer que quer «moralizar as empresas ou agravar os impostos às firmas que trabalham com falsos ‘recibos verdes’». Para isso, tinha de ter começado pela sua própria casa! A precariedade não é uma imposição legal nem é uma inevitabilidade: é uma escolha política! Os argumentos fatalistas são, em si mesmos, a negação da política e da sua capacidade para resolver os problemas das pessoas.
Erradicar as protecções sociais associadas ao trabalho é aquilo que está em curso neste momento, é a imposição da selvajaria liberal. Suprimir o trabalho com direitos e o respeito pelos trabalhadores é destruir a forma moderna de regulação e de coesão social.
É por isso que, hoje, afirmamos aqui uma proposta de respeito e de modernidade: inspecção a sério para os falsos «recibos verdes», com obrigação de celebração de contratos; limitação dos contratos a prazo por um ano; proibição de sucessivos contratos para o mesmo posto através de falsos temporários; integração de todos os 117 000 precários do Estado; acabar com esta autêntica selvajaria das empresas de trabalho temporário.