33 | I Série - Número: 075 | 24 de Abril de 2008
Srs. Deputados, o que se contesta na ratificação parlamentar não é a sua legitimidade formal, a sua conformidade formal com as atribuições e competências desta Assembleia, é o uso oportunista dessa possibilidade da letra da lei para a negar, na sua materialidade essencial, a soberania do povo e a missão e imperativo constitucional de «aprofundamento da democracia participativa», conforme o artigo 2.º da Constituição.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — E se o povo não exerce essa intervenção na avaliação de um Tratado internacional que, bom ou mau, atrela o País a um quadro institucional com tão profundas consequências para o seu futuro, tão radicais constrangimentos no seu relacionamento internacional, tão complexas limitações ao exercício da soberania, onde está, Srs. Deputados, o tema, o assunto, a opção que deva considerar-se como reclamando a sua participação e decisão por referendo? Depois, a recusa do referendo é coberta por uma fraude política gigantesca, bem claramente vista numa argumentação capciosa que já tivemos ocasião de denunciar e que nada justifica, porque é falsa. Uma mentira política declaradamente assumida, onde a única verdade é o medo, o imenso medo que as forças ditas socialdemocratas ou conservadoras, as forças do grande capital que governam os Estados da União Europeia, têm — e despudoradamente o confessam — que um qualquer referendo possa fazer ruir o Tratado.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — O que se contesta no Tratado é a sua brutal confrontação e desconformidade ao texto constitucional, que estabelece, sem margem para ambiguidades, no artigo 8.º, que «As disposições dos tratados que regem a União Europeia (…) são aplicáveis na ordem interna (…) com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.» Ora, esse imperativo respeito não está considerado no Tratado da União Europeia.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — No artigo 5.º estabelece-se que «O Estado não aliena qualquer parte do território ou dos direitos de soberania que sobre ele exerce (…)».
O Tratado em causa aliena «os recursos biológicos do mar». Aliás, vai ser interessante ver como vota o Sr. Deputado Ricardo Rodrigues, um dos primeiros subscritores da petição a exigir referendo por causa desta matéria.
Vozes do PCP e de Os Verdes: — Bem lembrado!
O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Aliena poderes soberanos do Estado em matéria de política externa, de defesa nacional e de direitos, liberdades e garantias, e aliena mesmo competências exclusivas da Assembleia da República.
No artigo 7.º, Relações Internacionais, estabelece-se que «Portugal rege-se (…) pelos princípios da independência nacional, (…) da igualdade…» — sublinho — «… entre os Estados (…)». O Tratado consolida um modelo federal de poder na União Europeia, institucionalizando a desigualdade de voto nas decisões e na condução da União Europeia entre os grandes e os pequenos e médios países, na base da dimensão das populações, consagrando de facto e na letra do Tratado o directório das grandes potências.
No mesmo artigo 7.º, n.º 2, estabelece-se: «Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral e controlado, a dissolução…» — sublinho — «… dos blocos político-militares (…)». O Tratado visa a constituição de um pólo imperial europeu, sob direcção da Alemanha e de outras potências, o reforço armamentista da União Europeia e a consolidação da NATO no seu pilar europeu, com articulação e comando dos EUA.